Notícia

Sobre a Hungria e o alegado dever de neutralidade

Lisboa, 23 de junho de 2021
Há 7 dias, apelámos à ação diplomática do Governo face aos posicionamentos anti-LGBTI na Hungria. Na prática, esta nova legislação silencia e oprime identidades e proíbe um normal e positivo discurso público e privado sobre pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans, intersexo e com outras identidades não normativas (LGBTI+). Aliás, é em muito semelhante à conhecida lei “anti-propaganda LGBTI” russa de 2013 que foi globalmente rejeitada e que deu origem ao reconhecimento de proteção internacional a pessoas LGBTI+ russas em diversos países, incluindo Portugal.

Estamos perante um ataque vil e abusivo, violador de Direitos Humanos e da dignidade das pessoas LGBTI+ e das suas famílias na Hungria, e contrário à Convenção Europeia de Direitos Humanos e à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e respetivas obrigações internacionais.

Na reta final da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, em plena celebração do Mês do Orgulho LGBTI+, esperaríamos um repúdio imediato de quem assume a liderança e compromisso com os princípios e valores da União Europeia. O alegado “dever de neutralidade” não só não é real como veio atrasar um posicionamento claro e alargar a confusão diplomática. A mediação honesta (“honest broker”) em negociações não é nem nunca significou neutralidade. Portanto, sim, o compromisso do Governo deve ser o de assinar a declaração sobre Hungria a 1 de julho e esse compromisso deve ser – e deveria ter sido – assumido desde sempre.

A Presidência do Conselho da União Europeia tem de garantir o cumprimento da Carta dos Direitos Fundamentais e valorizar a defesa dos Direitos Humanos das suas pessoas cidadãs, pelo que, na ótica da ILGA Portugal, não só a neutralidade é uma falácia como o silêncio do Governo português perante estas questões resulta em sinais percecionáveis como de cumplicidade, o que não é de todo aceitável, muito menos estando Portugal no topo da lista dos países mais igualitários em matéria de direitos LGBTI, graças a décadas de reivindicações e esforços de e entre Sociedade Civil, parlamentares e sucessivos Governos.

Dizer-se neutro é assumir uma posição de complacência, que não pode nunca ser aceitável quando se trata de ataques aos direitos humanos e princípios basilares da UE. O limite do compromisso é e deve ser sempre a salvaguarda de Direitos Humanos.

Ao limite, a Presidência da UE deveria ter instado as instituições europeias, dentro dos seus mandatos de atuação, a averiguar a legalidade da lei. Se aguardamos um posicionamento claro e verdadeiramente forte? Aguardamos, sim, mas sem qualquer serenidade.