Notícia

Dia da Visibilidade Intersexo ’23

Hoje celebramos o Dia da Visibilidade Intersexo e relembramos que este dia foi criado, em 1996, como forma de protesto e de sensibilização para as intervenções médicas abusivas e perigosas que eram forçosamente realizadas em crianças intersexo. 

Passados quase 30 anos, sabemos que, embora as questões específicas das pessoas intersexo sejam mais discutidas, isto não quer dizer que haja informação suficiente sobre as suas vivências ou que elas estejam mais seguras na sua autonomia corporal e identitária. 

O termo “intersexo” refere-se a um amplo conjunto de diferenças fisiológicas e fisionómicas na anatomia reprodutiva e sexual e nas características sexuais primárias e secundárias. As pessoas intersexo podem saber que o são desde a nascença, na puberdade ou quando já são adultas. Muitas pessoas podem nem sequer chegar a saber que são intersexo. O mais importante, no entanto, é perceber e afirmar continuamente que as diferenças intersexo não são sinal de doença ou de malformação. 

A falta de informação sobre o que podem ser as características intersexo tem um impacto enorme, prejudicando tantas vezes a  saúde física e psicológica das pessoas intersexo, uma vez que ainda existe a ideia, em contexto médico e fora dele, de que os seus corpos devem ser “corrigidos” desde o momento em que estas diferenças são identificadas, geralmente durante a infância.

Em Portugal, a Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, veio estabelecer o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa, proibindo a prática de intervenções cirúrgicas, farmacológicas ou de outra natureza que visem modificações ao nível do corpo e das características sexuais de pessoas intersexo menores de idade. No entanto, o facto de a lei apenas estipular a proibição destas intervenções “até ao momento em que se manifeste a sua identidade de género” fica aquém do desejado e não retira a possível arbitrariedade da tomada de decisão neste processo, uma vez que sabemos que a identidade de género é tantas vezes um processo, podendo nunca chegar a constituir um “ponto de chegada” definitivo como o excerto que citamos pressupõe. Além disto, a lei parece pressupor ainda que da identificação de género se depreende uma vontade de recorrer a práticas médicas, o que pode não ser verdade (e não o é tantas vezes). Por outro lado, apesar da publicação, pela Direção-Geral de Saúde, do Volume 1 da Estratégia de Saúde para as Pessoas LGBTI+ em 2019, com foco na promoção da saúde das pessoas trans e intersexo, não têm sido feito esforços por formar a comunidade médica nesta questão, nem existe qualquer mecanismo de monitorização da implementação e respeito desta proibição contra cirurgias medicamente desnecessárias, incluindo a mutilação genital de crianças intersexo.

Este é um caso cabal que prova que a aprovação de leis de proteção não é suficiente se não for acompanhada por formação, monitorização e políticas específicas de defesa e valorização dos grupos sub-representados. 

Por tudo isto, afirmamos e reafirmamos as vezes que forem necessárias que as pessoas intersexo são pessoas inteiras e devem ser elas quem toma as decisões sobre o seu corpo, a sua identidade e as suas formas de vida. 

Por tudo isto, hoje celebramos as pessoas intersexo em toda a sua diversidade.

Por tudo isto, acima de tudo, reivindicamos o seu acesso a cuidados de saúde, específicos ou não, apenas e unicamente com o seu consentimento informado. Reivindicamos a proteção de crianças e jovens intersexo pela lei e pelos Governos. Reivindicamos mais informação científicamente fidedigna sobre as pessoas intersexo.

Por tudo isto, relembramos que a diversidade de corpos e de identidades e expressões de género é desejável e deve ser valorizada e respeitada.