Em luta e em solidariedade para com todas as pessoas travesti, trans, não-binárias e de género diverso
19 de janeiro de 2023. O dia em que a força, coragem, voz e resistência de ativistas trans e travesti levaram à concretização de mais um momento histórico na luta contra a transfobia sistémica. Um momento fulcral para a reflexão individual, social e associativa. As Associações e Coletivos LGBTI+ são compostas por uma grande diversidade de pessoas e, consequentemente, múltiplas linhas de pensamento. Por isso, durante a última semana, escutámos, refletimos e posicionámo-nos.
Reconhecemos a coragem e a verdade do manifesto de Keyla Brasil. Os ataques individualizados e dirigidos a esta ativista nos últimos dias reforçam o quão a coragem e urgência desta manifestação extravasam o ato de subida a um palco; voltando a colocar a descoberto a violência dos ataques e a violência da passividade que a sociedade aplica sobre as vidas das pessoas trans, a quem, ainda para mais, se exige que esteja apenas sobre os seus ombros a luta por uma mudança social que, na realidade, cabe a todas as pessoas.
Centrar a discussão na validade ou na forma dos protestos e do ativismo é uma lógica parcial e, assim, enviesada. Historicamente, a luta pelos Direitos Humanos fez-se não só no diálogo constante com agentes-chave do panorama político e diplomático, mas também com atos de rua, de disrupção, de ocupação do espaço público, de ação direta. Historicamente, na luta pelos Direitos Humanos, houve sempre posicionamentos institucionais, associativos, coletivos e individuais diferentes – e é esta pluralidade e complementaridade entre associações, coletivos e pessoas que torna o movimento tão forte, apesar dos muitos momentos de discórdia, apesar dos diferentes ritmos, apesar das diferentes visões. É, por isso, importante que deixemos de pensar nas ações de forma meramente teórica e abstracta: há sempre contextos sociais, económicos e políticos a ter em conta – e a escuta ativa e honesta revela-se fundamental para conquistar, garantir e manter Direitos Humanos.
Não é de somenos que as áreas artísticas e culturais sejam conhecidas pela maior abertura em criar espaços de inclusão para pessoas de identidades dissidentes, tanto ao nível da criação e representação, como também da empregabilidade. Se o campo das artes e da cultura não for o local onde podemos fomentar dinâmicas saudáveis, dignas e acolhedoras às diversas vidas e aos diversos corpos, onde é que poderemos encontrar esse local? Se não for nos campos da arte e da cultura – que foram a génese de tantos movimentos ativistas e que representaram ao longo da história das pessoas LGBTI+ a criação de espaços de segurança, expressão livre e acolhimento –, onde é que podem as pessoas trans falar das suas vidas, das suas existências, das violências que sofrem, mas também das alegrias que passam e das comunidades que encontram?
Não é de somenos o facto de esta discussão acontecer dentro e fora do Teatro São Luiz, um teatro municipal, em Lisboa, que tem, sim, um peso histórico na vida e na visibilidade das pessoas LGBTI+ que coabitam os espaços culturais e de sociabilidade da cidade. O papel, o dever e a responsabilidade das autarquias e das estruturas que gerem a cultura (políticas e/ou financiadoras) não será o de invalidar esta discussão. A solidariedade com as artes e as pessoas profissionais do teatro da parte de quem detém o poder faz-se ouvindo e refletindo sobre como se pode ter um papel ativo na mudança, acolhendo numa perspetiva interseccional a diversidade da população, tendo consciência do quanto a falta desta fragiliza a cultura.
19 de janeiro de 2023. O dia em que a força, coragem, voz e resistência de ativistas trans e travesti levaram à concretização de mais um momento histórico na luta contra a transfobia sistémica. Um momento fulcral para a reflexão individual, social e associativa. Um momento para unir toda a população LGBTI+ na defesa das pessoas trans, contrariando lógicas de fraturação. Por isso, durante a última semana, escutámos, refletimos e posicionámo-nos. Hoje e sempre, estamos em luta e em solidariedade para com todas as pessoas travesti, trans, não-binárias e de género diverso.
Lisboa, 28 de janeiro de 2023
A direção da ILGA Portugal