Comunicado: Educar para a Sexualidade – um pilar da Cidadania
No âmbito da consulta pública da Nova Estratégia Nacional para a Educação para a Cidadania (ENEC), que visa substituir a anterior, publicada em 2017, foi disponibilizado um guião para as aprendizagens essenciais para a disciplina que não inclui educação para a sexualidade. Enquanto Associações de defesa dos direitos das pessoas LGBTI+ e das suas famílias, consideramos lamentável e preocupante a ausência de temas como “sexualidade” e “saúde sexual e reprodutiva”, tão transversais e necessários para a formação de crianças e jovens.
Lembramos que há uns meses o primeiro-ministro tinha prometido que iria “libertar a disciplina de Cidadania das amarras de projetos ideológicos”, sendo agora apresentada esta nova estratégia para a disciplina. O que vemos é que, sob falsas premissas, são agora impostas verdadeiras “amarras” ao desenvolvimento e bem estar das nossas crianças e jovens.
Com esta viragem, podemos falar num verdadeiro retrocesso em relação ao que até agora tinha sido feito. Não podemos permitir que a amarra ideológica seja aquela que a direita conservadora apresenta como solução para o país, não podemos permitir que crianças e jovens se eduquem em privação das diversas aprendizagens sobre saúde, sexualidade, integridade, afetos e consentimento. Lamentamos que a escola esteja, mais uma vez, a ser instrumentalizada, bem como as pessoas que a compõem, negando uma realidade tão evidente como a pluralidade, a diversidade e os direitos fundamentais.
Esta decisão contrária ao que se propõe com a Lei n.º 60/2009, de 6 de Agosto, que estabelece o regime de aplicação da educação sexual em meio escolar, constitui que: “A valorização da sexualidade e afetividade entre as pessoas no desenvolvimento individual, respeitando o pluralismo das concepções existentes na sociedade portuguesa; (…) A eliminação de comportamentos baseados na discriminação sexual ou na violência em função do sexo ou orientação sexual.”, minimiza o efeito benéfico que uma educação sexual alargada tem para jovens e crianças. É uma decisão que não garante em nada a sua proteção contra a discriminação, o preconceito e a violência de género- antagonizando a diversidade e promovendo uma cultura do silêncio e do apagamento.
Não nos surpreende esta medida, pois já tínhamos assistido a uma movimentação similar aquando da recomendação parlamentar para a retirada dos manuais “Direito a Ser” das escolas. Agora, a pretensão de omissão destes conteúdos da disciplina de Cidadania é apenas mais um passo no mesmo sentido: aproximar-se de uma ala conservadora e remover qualquer conteúdo que tenha sido cunhado como “ideologia de género”, um conceito inventado que apenas fomenta a desinformação e o ódio junto das pessoas.
Quando é afirmado que identidade de género ou orientação sexual são temas demasiado complexos para as pessoas jovens, remove-lhes a sua agência e autonomia, negando-lhes um pilar basilar que é a sua integridade plena enquanto pessoa plural, a sua própria proteção e a sua própria auto determinação. Acreditamos que é através de uma aprendizagem acompanhada, cuidada e adequada a cada idade, sobre temas pilares para o desenvolvimento humano, como é a sexualidade, que teremos efetivamente pessoas plenas na sua cidadania. Além disso, a dimensão dos direitos humanos não pode ser completa sem a dimensão dos direitos sexuais, reprodutivos e LGBTI+.
Aproveitamos esta consulta pública para lamentar profundamente esta decisão e mostrar publicamente a nossa oposição. Continuaremos, em conjunto e com as nossas pessoas e comunidades, a lutar pelo acesso a um ensino realmente inclusivo, transversal e transformador. Por uma educação sexual para todas as pessoas onde ninguém se exclua. Onde qualquer pessoa pode aprender noções sobre consentimento, relações, intimidade, igualdade de género, diversidade e tudo aquilo que lhe permita viver com mais saúde, física e mental, mais bem-estar e auto-conhecimento. Não iremos compactuar com esta mudança tão prejudicial a muitos níveis e a todas as pessoas jovens.
Aproveitamos ainda para apelar a todas as pessoas que, individualmente, se pronunciem sobre a consulta pública, utilizando o formulário oficial para o efeito. Unam as vossas vozes às nossas nessa exigência, com um texto simples como o exemplo abaixo:
A cidadania faz-se também de uma educação para a sexualidade, que reforce não só os temas básicos de saúde sexual e reprodutiva, como também relativos a questões de respeito pela diversidade, relacionamentos saudáveis, consentimento e afetos. Só com uma educação sexual efetiva e completa, fundamentada cientificamente e com formação especializada a docentes, podemos trabalhar para uma sociedade livre de violência de género e violência doméstica, derrubando também desigualdades, preconceitos e discriminações estruturais na nossa sociedade. Estas são as indicações da ONU, do Conselho da Europa e do próprio Estado Português. Apelo/apelamos por isso que a educação sexual se mantenha no currículo da disciplina de Cidadania.
Uma sociedade saudável, é uma sociedade informada, com capacidade crítica e com entendimento sobre a diversidade. Isso é o que a escola deveria ser e representar para as nossas crianças e jovens. Continuaremos a lutar nesse mesmo sentido: justiça, pluralidade, diversidade e auto determinação, na escola, nas ruas, nas famílias, nos trabalhos e em toda a sociedade.
As entidades signatárias
- AMPLOS
- ILGA Portugal
- Opus Diversidades
- Rede Ex Aequo