Notícia

Dever de ser

Na semana passada, foi aprovada no Parlamento a retirada do guia” O Direito a SER nas Escolas”, um conjunto de orientações para a prevenção e combate à discriminação e violência em razão da orientação sexual, identidade de género, expressão de género e características sexuais em contexto escolar. Estas orientações destinavam-se a pessoal docente e não docente com vista a uma Escola mais inclusiva e o seu objetivo principal era combater a discriminação, respeitando a diversidade e, sobretudo, proteger as crianças e adolescentes

Dentro da ideia-chave de criar escolas mais inclusivas, podemos, com uma leitura breve do índice, perceber quais os dois grandes objetivos deste guia: “Garantir a Escola como espaço de bem-estar, acolhedor e seguro” e “Reconhecer e atuar adequadamente em situações de discriminação e violência”. Importa sublinhar estes pontos por uma questão de clareza e verdade sobre o que este guia pretende, não nos deixando manietar por falsas e infundadas razões. 

Enquanto associação pela defesa dos direitos das pessoas LGBTI+ e das suas famílias em Portugal, impressiona-nos, mas não nos surpreende, que se usem pessoas e crianças reais para criar narrativas falsas e extremamente prejudiciais que embate no objetivo comum de criarmos uma sociedade mais justa, livre e inclusiva.

Porque é mesmo disso que se trata: pessoas, crianças, jovens e famílias. Não de sectarismos, ideologias ou partidarismos. Há quem tenha mais “direito a ser”? Perder o direito a ser significa que muitas crianças, jovens e pessoas adultas perdem também a possibilidade de viver em espaços públicos, como a escola, de uma forma segura? Devemos, enquanto pessoas LGBTI+, aceitar que a discriminação e violência são parte da nossa existência enquanto pessoas. Devemos passar a ver o Estado Português, a Escola Pública, representantes parlamentares, como ameaças à nossa existência?

Reforçamos hoje que crianças e jovens LGBTI+, ou com esta perceção, estão entre as vítimas preferenciais do bullying nas escolas portuguesas. Este guia, agora retirado, procurava dar respostas a estes desafios no sentido de dar apoio, tanto às vítimas de discriminação e violência, como ao corpo docente e não docente que, mais que noutros casos, ainda faz vista grossa perante situações de bullying e/ou violência de teor LGBTIfóbico.

Precisamos entender se estas instituições, e as pessoas que as representam, aceitam que uma pessoa LGBTI+ merece ser discriminada e violentada; se a vulnerabilidade de ser LGBTI+ é algo que “é mesmo assim e sempre será”; ou se, pelo contrário, é algo que pretendem mudar ativamente com medidas e ações que protejam efetivamente as pessoas na sua total diversidade. 

Usar este guia como exemplo de desvirtuados valores, usar as minorias como bode expiatório, ou atacar a diferença são táticas que já conhecemos. Táticas importadas e com resultados conhecidos pelo seu historial que recusamos esquecer. Lamentamos que se considere um guia fruto de muito trabalho, dados e estudos sérios, “uma extensão do ativismo sectário LGBT”. Não se trata apenas de um insensível desrespeito por esse mesmo trabalho. É também uma posição indigna, pouco original e lamentável, sobretudo quando não se assume esta ação como uma extensão da propaganda de extrema direita.

Enquanto associação pela defesa das pessoas LGBTI+ alertamos que: 

  • continuamos diariamente o nosso trabalho, acolhendo em diversas frentes pessoas que nos procuram porque, muitas vezes até mesmo elas, acham que não tem direito a ser por inteiro;
  • não aceitaremos em silêncio que as nossas identidades, as nossas comunidades, as nossas crianças e jovens sejam alvo de ataques contínuos;
  • permanecemos ativamente a trabalhar com todos os partidos e representantes governamentais que defendam o fim da discriminação e da violência;
  • mantemos o dever de ser ativistas por uma sociedade efetivamente mais inclusiva e diversa.

Às nossas pessoas, crianças e jovens, que acordam todos os dias a sentir mais ansiedade, mais medo, mais insegurança, dizemos: não estão sós! Estamos convosco! Procurem-nos, fortaleçam as vossas redes de apoio, construam as vossas comunidades. E nunca esqueçam o vosso direito a ser. Sejamos, sempre e todos os dias, plenamente!