Dia da Memória Trans. Hoje, dia 20 de novembro, é um dia de lembrança, de honra e de homenagem a todas as pessoas trans, não-binárias e género diverso a quem foram tiradas as vidas pelo simples facto de existirem. Por serem quem são e por não corresponderem a uma cis-normatividade imposta pela sociedade em que vivemos. Violências que são consequentes da herança colonialista, capitalista, racista, xenófoba, transfóbica, LGBTI-fóbica, capacitista, entre outras formas de opressão.
Através da potência das nossas palavras, ditamos 327 nomes num apelo à reflexão e consciência. Em cada um destes nomes ressoam ainda os que ficaram de fora e que ecoam a sua própria força por terem existido na sua autenticidade possível. É urgente destacar que este número que consta nos relatórios tem vindo a crescer. Se por um lado, existem mais crimes reportados e registados, por outro é uma demonstração factual de que estes crimes têm vindo a aumentar e fazem parte dos diversos testemunhos de vidas e identidades Trans. Pessoas que perderam a vida pela simplicidade de Ser e Existir.
Este dia serve como um alerta para representar uma maior consciencialização sobre a violência anti-trans. A transfobia está muito presente na nossa sociedade de forma sistémica e estrutural. Relembramos todas estas vidas, muitas das quais vítimas de crimes não reconhecidos enquanto crimes de ódio. A violência é normalizada e acaba por não ser criticada, contestada ou refletida.
As vidas das pessoas trans, não-binárias e género diverso são constantemente adiadas, retidas e silenciadas. Contudo, os nomes que aqui ditamos são vidas interrompidas, vítimas por homicídio social. Hoje, relembramos que os demais 327 nomes não são somente um número demográfico, mas o reflexo de que podia ser qualquer um de nós que aqui dita esse mesmo nome, porque a transfobia é presente, e ainda que distante do lugar-comum dos tantos comuns, é o termo que resume o ódio, o repúdio e rejeição e negação sob a diversidade.
Queremos respeito por sermos quem somos, queremos ter direito a uma vida sem preconceitos. Não termos de nos retrair por quem se ofende pelo simples facto de respirarmos o mesmo ar. É um dever respeitar-nos porque todas as pessoas têm o direito a uma vida digna.
Os nossos corpos continuam a não ser aceites mas vistos como bizarros, por não se conformarem ao binarismo de género. Um sistema que usa as nossas lutas e as nossas causas para seu próprio benefício, que continua a neutralizar a nossa existência e usa e abusa do poder e do privilégio da medicina moderna. Não queremos que pessoas cisnormativas decidam quando podemos ter acesso a tratamento hormonal e o quão cisnormativos devemos ser dentro desta sociedade binária. A falta de apoios e de políticas públicas continua a deixar-nos de parte e a ignorar as nossas necessidades e direitos fundamentais. Em vez de contribuir, invisibiliza-nos, patologiza-nos e até nos apaga e anula.
A falta de acesso a um sistema de saúde digno, e principalmente a falta de acesso a cuidados trans específicos e não específicos provocam um desequilíbrio social. Dando oportunidade a quem tem recursos económicos de ter acesso a cuidados de saúde, mas ao mesmo tempo negando-a a quem não tem. A falta de acesso a um sistema educativo digno que não nos torne invisíveis e que não nos condene ao bullying, para o isolamento e para a baixa escolaridade. A falta de acesso a um sistema laboral digno que não nos marginalize e não nos lance para a precariedade e para a pobreza. A falta de acesso a um sistema de segurança digno que não nos faça sentir num clima de risco e permanente instabilidade.
Infelizmente mudar mentalidades e sociedades é um processo longo, como podemos ver ao longo da história de identidades marginalizadas. Nós fazemos parte de uma margem cuja voz deve ser ouvida e respeitada. Somos parte desta sociedade alienada e limitada. Necessitamos de consciência e união. Juntamo-nos por uma sociedade mais justa, igualitária e livre. Livremo-nos de todas as formas de violência que nos tocam, a nós e a todas as pessoas oprimidas.
Neste mundo em que vivemos, no qual somos as nossas próprias presas e predadores.
Vivemos num século onde mais do que nunca se tem acesso à informação. Ainda assim, parece que estamos cada vez mais distantes entre nós. Uma distância também provocada pela propaganda de movimentos de extrema-direita, ultra-conservadores e anti-direitos humanos. Os quais propagam mensagens populistas direcionadas à violência e ao ódio, que se escondem atrás de uma suposta liberdade de expressão e que promovem a fragmentação social ao invés da união.
Temos de combater as manipulações e as forças que nos oprimem e quebrá-las de forma estratégica, recorrendo a informação fidedigna, atual, verificada e não manipulada.
É preciso encontrar soluções e continuar a dar a voz para sensibilizar a sociedade de que a violência é uma separação da paz e que promove a desunião e que sem essa nunca seremos ou atingiremos uma sociedade livre, no qual temos tanto orgulho em dizer que somos.
Por uma sociedade mais digna, com mais igualdade e mais justa!
Por uma sociedade livre de transfobia e de qualquer violência que atinge pessoas vulnerabilizadas!
Pela nossa liberdade de Ser em segurança!
20 de novembro de 2022
GRIT – Grupo de Reflexão e Intervenção Trans da ILGA Portugal