A 13 de maio de 2016 vivíamos mais uma vitória histórica para os Direitos LGBTI+ e para a igualdade de género em Portugal. Após um longo caminho de luta e de sobrevivência das famílias arco-íris, o Parlamento português aprovava o alargamento das técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA) às mulheres, independentemente da sua orientação sexual ou estado civil: mulheres casadas ou juntas com outras mulheres, mulheres solteiras, mulheres lésbicas e bixessuais. Quebrou-se assim um ciclo de discriminação no qual só as mulheres casadas ou em união de facto com um homem podiam cumprir o seu direito fundamental a constituir família. Mais do que isso: as nossas famílias estavam efetivamente desprotegidas. Muitas famílias arco-íris viam-se forçadas a viajar para outros países da Europa para poderem ver este seu desejo cumprido, regressando a Portugal sem qualquer enquadramento legal. Hoje, 13 de maio de 2023, sete anos passados, este é sem dúvida um dia a celebrar.
Mas nem todas as histórias são felizes. Os processos associados à PMA são muitas vezes morosos e complexos, principalmente no Serviço Nacional de Saúde, cuja resposta é lenta e com uma lista que pode ir até 3 anos de espera. Não tão poucas vezes, as famílias recorrem aos serviços privados por falta de resposta pública atempada e/ou pelo receio de discriminação. Há também quem, no tempo útil e investimento necessário para aceder às técnicas PMA, não consiga cumprir por esta via o seu desejo de constituir família.
Aqui, as experiência sobre o acesso a técnicas de PMA no SNS são muitas vezes comuns em casais heterossexuais, casais de mulheres e/ou quaisquer mulheres que pretendam engravidar e que são afetadas:
– pelo atraso dos tratamentos, agravados pela pandemia;
– pela falta de gâmetas masculinos no SNS;
– pelo limite de idade (40 anos) no SNS;
– pela falta de condições financeiras para procurar uma clínica privada.
Não há uma considerável falta de pessoas doadoras de gâmetas no nosso país, caso contrário a situação nas clínicas privadas seria igualmente calamitosa. Há, sim, a necessidade urgente de investimento na captação destas doações para o Banco Público de Gâmetas (BPG), assim como na garantia de mais recursos humanos, logísticos e técnicos que permitam maior capacidade de resposta nos centros públicos de PMA.
Apesar do esforço de muitas pessoas profissionais de saúde para a compreensão destas realidades desesperantes e para a tentativa de as colmatar otimizando os escassos recursos do SNS, a verdade é que não podemos estar apenas dependentes da boa vontade das equipas médicas e de enfermagem. as conclusões do grupo de trabalho criado em 2021 para melhorar o acesso à Procriação Medicamente Assistida continuam longe do desconhecimento público e fechadas na “gaveta”. Exigimos um reforço do financiamento e das respostas por parte do Governo.
Por este motivo e não só, muitas são as famílias que optam pela inseminação artificial caseira que em vários contextos cai num vazio legislativo e de falta de proteção social que têm de ser resolvidos.
É também impossível falarmos de acesso à parentalidade sem continuarmos a falar em igualdade de género. Atualmente deparamo-nos com um cenário em que as mulheres se dedicam cada vez mais à sua carreira profissional ou a outras áreas que são igualmente importantes nas suas vidas, deixando a maternidade cada vez para mais tarde. O SNS tem de acompanhar esta realidade.
A desigualdade de género em Portugal continua a contribuir para o adiamento dos processos de maternidade e prejudica quem deseja construir uma família. Apesar dos avanços significativos na igualdade de direitos, persistem obstáculos estruturais e sociais que afetam as mulheres e todas as pessoas trans em diferentes níveis. As disparidades salariais, a discriminação no trabalho, a falta de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, o avanço demasiado lento das políticas de licença parental adequadas são apenas alguns dos fatores que influenciam a nossa decisão em adiar a maternidade.
Além disso, as famílias de mulheres lésbicas e bissexuais enfrentam contextos de discriminação adicional. Continua presente na nossa sociedade um estigma social em relação à orientação sexual, o que resulta em lesbofobia e bifobia ou seja, em dificuldades específicas para estas mulheres que desejam procriar, e a quem demasiadas vezes é negada socialmente a sua legitimidade para constituir família. Esta negação é reforçada pela heteronormatividade instaurada em todos os processos das nossas vidas: desde os formulários e procedimentos administrativos que apenas compreendem a existência de “mãe e pai” até à falta de conhecimento e capacitação da parte de profissionais em serviços de atendimento e outros, como na saúde l, na educação ou em serviços sociais
Ainda sobre discriminação na parentalidade, reforçamos que o direito a constituir família não é totalmente igualitário na nossa sociedade, nomeadamente no acesso à gestação de substituição por parte de homens e numa visão cisnormativa do sistema de saúde que continua a colocar as pessoas trans no fim da linha. Quando se acrescentam questões de relações/orientações relacionais não normativas estas ficam ainda mais desprotegidas nas questões da parentalidade/maternidade.
Tendo em conta o contexto europeu que vivemos em 2023, e em que Portugal deixou os 10 primeiros lugares do Rainbow Map, sentimos ainda o dever de referir que os direitos, embora sejam inalienáveis, são também, infelizmente, revogáveis. A luta pela autonomização corporal de todas as pessoas que se identificam como mulheres deve continuar todos os dias e não pode ficar apenas por aquilo que já foi feito.
Hoje, celebramos. Mas dizemos também: a Procriação Medicamente Assistida ainda não é para todas. A igualdade plena continua por conquistar.
As subscritoras:
Clube Safo
ILGA Portugal
PMA para todas