Prémios 2003 a 2010
As várias informações e textos aqui disponibilizados são de consulta e republicação livre e gratuita, desde que citada a fonte e se sem fins lucrativos.
A linguagem e a escrita foram mantidas de acordo com os registos originais, e as mesmas devem ser lidas e percecionadas de acordo com a época.
Prémios Arco-Íris 2010
A 8ª cerimónia de entrega de prémios arco-íris realizou-se no dia 10 de janeiro de 2011, no Cinema São Jorge, no âmbito do primeiro aniversário da lei da igualdade de acesso ao casamento.
Prémios Arco-Íris 2010 atribuídos a:
- Bruno Nogueira
- Cristiano Ronaldo
- Filipa Gonçalves > “Obviamente Mulher”
- Filipe La Féria > “A Gaiola das Loucas”
- Partidos pela Igualdade > Os partidos cujas representações parlamentares asseguraram a aprovação da igualdade no acesso ao casamento e da Lei da Identidade de Género (PS, BE, PCP, PEV)
Textos de apresentação dos prémios atribuídos.
(brevemente)
Prémios Arco-Íris 2009
A 7ª cerimónia de entrega de prémios arco-íris realizou-se no dia 14 de novembro de 2009 no Centro Comunitário, no âmbito do seu décimo segundo aniversário.
Prémios atribuídos a:
- Isabel Mayer Moreira e Miguel Vale de Almeida > equipa SIM do programa Prós e Contras sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo
- Fernanda Câncio, Carlos Pamplona Corte-Real, Daniel Oliveira e Rui Tavares > menções honrosas no âmbito do programa Prós e Contras sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo
- Henrique Feist/UAU > “Rapazes Nus a Cantar”
- Ricardo Araújo Pereira
- jornalista São José Almeida > “O Estado Novo dizia que não havia homossexuais, mas perseguia-os” in Pública
Textos de apresentação dos prémios atribuídos.
(brevemente)
Prémios Arco-Íris 2008
A 6ª cerimónia de entrega de prémios arco-íris realizou-se no dia 10 de novembro de 2008 no Centro Comunitário, no âmbito do seu décimo primeiro aniversário.
Prémios atribuídos a:
- Revista Com’OUT
- Fernanda Câncio
- Rádio Clube Português
- Solange F.
Textos de apresentação dos prémios atribuídos.
(brevemente)
Prémios Arco-Íris 2007
A 5ª cerimónia de entrega de prémios arco-íris realizou-se no dia 10 de novembro de 2007 no Centro Comunitário, no âmbito do seu décimo aniversário.
Prémios atribuídos a:
- Elza Pais, Coordenadora da Estrutura de Missão para o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Tod@s
- empresário Francisco Pinto Balsemão
- cantor Pedro Abrunhosa pela música Balada de Gisberta
- programa televisivo As Tardes da Júlia
- filme A Outra Margem de Luís Filipe Rocha
Textos de apresentação dos prémios atribuídos.
-
Enquanto Associação de defesa dos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero (LGBT), a Associação ILGA Portugal tem sempre tido como causa primeira a luta contra a homofobia.
É que a homofobia, enquanto atitude de hostilidade para com @s LGBT, tem consequências que conhecemos bem demais: na família, na escola, no acesso a bens e serviços, no trabalho, e até na própria lei, a homofobia vai-se manifestando diariamente, continuando a tentar tornar-nos menos do que somos.E embora a Associação ILGA Portugal continue a empenhar-se na divulgação de situações de discriminação e no combate ao preconceito homófobo, esta nossa causa não é, nem deve, nem pode ser só nossa.
Tal como outras formas de exclusão, a homofobia contribui para uma sociedade mais fracturada, menos saudável e menos funcional. Porque a homofobia é, afinal, um problema social, teremos tod@s que o resolver em conjunto. E porque a luta contra a homofobia não tem ainda um fim à vista, ela torna-se tanto mais urgente e merecedora do nosso esforço concertado.
Na realidade, a nossa causa é e deve ser uma causa aberta.Aliás, desde a revisão constitucional de 2004, que fez com que a Lei Fundamental passasse a proibir explicitamente a discriminação com base na orientação sexual, lutar contra a homofobia na sociedade e na lei é mais do que um requisito ético: é agora também a concretização de um dos princípios basilares da República Portuguesa.
Daí que a Associação ILGA Portugal atribua anualmente o seu Prémio Arco-Íris, como forma de reconhecimento e incentivo a personalidades e instituições que, com o seu trabalho, se distinguiram na nossa – e vossa – luta contra a homofobia.
Do ponto de vista político, o ano de 2007 ficou marcado pelo referendo sobre a despenalização do aborto, cujo resultado expressivo demonstrou a consciência generalizada da importância dos direitos sexuais e reprodutivos. Em Fevereiro de 2007, dissemos SIM à dignidade, à autonomia e à responsabilidade de cada mulher – e dissemos simultaneamente NÃO à consagração legal do fundamentalismo religioso.
Também em 2007, foi finalmente aprovado o novo Código Penal que acabou com a discriminação na idade do consentimento; que instituiu agravamentos penais em função de motivações homófobas; que veio penalizar explicitamente o incitamento público à discriminação com base na orientação sexual, nomeadamente através da difamação ou da injúria em meios de comunicação social; e que reconhece a equivalência absoluta de casais heterossexuais e homossexuais nomeadamente na punição da violência doméstica, no direito a apresentar queixa ou no direito a não testemunhar. Todas estas mudanças, que reivindicávamos há muito, vieram na sequência da proposta da Unidade de Missão para a Reforma Penal, que tivemos oportunidade de premiar no ano de 2006.
E 2007 foi um ano especial para a Associação ILGA Portugal.
Desde logo, obtivemos o registo provisório da Associação enquanto Instituição Particular de Solidariedade Social como reconhecimento do nosso trabalho no plano social.
Foi também em 2007 que o nosso Arraial Pride, o maior evento LGBT do país, encontrou o seu espaço de eleição: o Terreiro do Paço, centro simbólico de Lisboa.
Alargámos ainda o âmbito da actuação política da Associação com trabalho sectorial como a “Proposta de Boas Práticas para o Relacionamento entre as Forças e Serviços de Segurança e as Cidadãs e os Cidadãos LGBT” ou com o trabalho na área da Transsexualidade, tendo surgido aliás um novo Grupo de Interesse na Associação: o GRIT – Grupo de Reflexão e Intervenção sobre Transsexualidade.Do ponto de vista mediático, o último ano foi também um ano de maior visibilidade da Associação – a título de exemplos, podemos referir as participações nos depoimentos da telenovela Páginas da Vida (na SIC) ou a participação semanal no programa Janela Aberta do Rádio Clube.
Consolidámos enfim o reconhecimento público e institucional que tornou a nossa Associação parceira preferencial em questões ligadas à luta contra a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género.
E tivemos também reconhecimento internacional do nosso trabalho, continuando a representar Portugal na EU Network da ILGA Europe.Mas 2007 foi e é também o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Tod@s, que, um pouco por toda a Europa, pretendeu combater a discriminação com base no género, na origem étnica, na religião, na deficiência, na idade e na orientação sexual.
Este Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Tod@s contribuiu para vincar a importância da luta contra a discriminação das pessoas LGBT em Portugal e para marcar a importância desta luta na própria identidade europeia, mostrando afinal mais uma vez que esta não é nem deve ser uma luta específica das pessoas LGBT – ela é e tem que ser uma luta de toda a sociedade, do Estado português e da União Europeia.Elsa Pais
O objectivo do AEIOT – Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Tod@s é a abordagem transversal das várias discriminações, marcando, no entanto, as especificidades de cada uma – e vale a pena marcá-las. O recente Eurobarómetro que pretendeu avaliar a percepção da discriminação nos vários países da União Europeia demonstra que em Portugal a discriminação com base na orientação sexual é a mais gritante: 67% das pessoas inquiridas afirma que esta discriminação é generalizada, pelo que é fundamental combatê-la sem hesitações.
Embora não haja uma recolha sistemática de dados no que diz respeito à discriminação com base na orientação sexual, temos tido inúmeras queixas na Associação ILGA Portugal ao longo dos anos. Mas é fácil perceber a extensão e a gravidade desta discriminação: basta pensar que a orientação sexual é a única das categorias enquadradas no Ano Europeu que ainda gera discriminação na própria lei, nomeadamente no que diz respeito a questões tão fundamentais como o casamento ou a parentalidade.
Para além da lei, muitas instituições continuam a praticar a discriminação, muitas vezes de forma indirecta (por exemplo, através do critério do estado civil). Um exemplo de discriminação institucional é a exclusão liminar de homens gay na doação de sangue, quando a homossexualidade masculina não pode naturalmente ser considerada, em si mesma, como uma prática de risco. É ainda problemático o reconhecimento de casais de pessoas do mesmo sexo na política de habitação social, em hospitais, em lares de pessoas idosas, no direito ao reagrupamento familiar, ou no acesso a empréstimos ou seguros, entre outros.
E as pessoas transsexuais são por sua vez relegadas para um limbo legal que se torna também um limbo social, porque a lei ainda se recusa a reconhecer a sua existência e a sua identidade, excluindo-as do acesso aos direitos mais basilares de qualquer cidadã ou cidadão, como a integração social, familiar, o acesso ao mercado de trabalho, à educação, e à saúde.A cidadania plena e a igualdade de oportunidades ainda não são, por isso, reconhecidas às pessoas LGBT – e esta não é uma “questão fracturante”. Pelo contrário, este Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Tod@s tem ajudado a chamar a atenção para o facto de que a fractura já existe, aqui e agora, em todos os guetos – o legal, o institucional e inevitavelmente o social – que são impostos pela homofobia, com consequências na vida quotidiana das pessoas LGBT.
Eliminar esta “fractura” significa lutar activamente contra a homofobia, eliminando a discriminação na lei para que o Estado possa lutar de forma credível e persistente contra a homofobia na sociedade.É com esse objectivo que temos vindo a colaborar com a Estrutura de Missão para o AEIOT, não só de forma consultiva em relação a actividades do Plano Nacional de Acção mas também contribuindo com actividades nossas para o Plano Aberto do AEIOT.
Elza Pais é Coordenadora da Estrutura de Missão para o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Tod@s. É também Presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género que veio substituir a Comissão para a Igualdade e Direitos das Mulheres.
E é sobretudo a pessoa responsável pela integração efectiva da área da orientação sexual em várias actividades do Plano Nacional de Acção do AEIOT.Em Portugal, pela primeira vez, houve iniciativas governamentais de luta contra a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género – factores de discriminação que têm sido sistematicamente ignorados pelo Estado português e por sucessivos Governos. Aliás, pela primeira vez, Associações de defesa dos direitos das pessoas LGBT foram também oficialmente reconhecidas enquanto parceiras nessa luta.
Temos que realçar o Colóquio “LGBT – Cidadania Plena Para Tod@s” que se realizou no dia 17 de Maio – Dia Mundial de Luta Contra a Homofobia – e que foi organizado pela Estrutura de Missão para o AEIOT em colaboração estreita com as associações. Tratou-se do primeiro evento desta natureza organizado por uma estrutura governamental e contribuiu para a identificação de situações de discriminação bem como de boas práticas no combate à exclusão das pessoas LGBT. E é de referir ainda a Festa da Diversidade e da Igualdade de Oportunidades, em que organizámos conjuntamente com a Estrutura de Missão um debate que incidiu sobre a discriminação múltipla, mostrando que a orientação sexual é, tal como o género, uma característica transversal – e um debate em que, tal como no Colóquio LGBT, Elza Pais fez questão de estar presente e intervir.Sabemos bem (até por comparação com outros países da União Europeia) que a execução do AEIOT em cada país – e a inclusão da discriminação das pessoas LGBT, a única que continua a gerar verdadeira relutância e resistência – depende da vontade política da pessoa responsável. E Elza Pais tem vontade de lutar contra a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género.
Em deslocações um pouco por todo o país, fez questão de pronunciar sempre as palavras “lésbica, gay, transsexual”, palavras proibidas ainda em tantos contextos – e palavras que nunca ouvimos pronunciadas, por exemplo, por qualquer membro do Governo ou por um(a) Presidente da República. Elza Pais compreendeu nomeadamente que estas palavras são fundamentais, porque nos identificam, porque nos visibilizam, porque nos fazem existir – e compreendeu que o silêncio e o silenciamento são armas por excelência da homofobia: não pronunciar as palavras “lésbica”, “gay” ou “transsexual” significa compactuar com um sistema que alternadamente nos diz que não existimos ou que não devemos existir.
E as reacções que conheceu um pouco por todo o país (para além das dificuldades em abordar esta discriminação nas actividades que não foram promovidas pela própria Estrutura de Missão) ter-lhe-ão dado uma ideia mais abrangente do peso da homofobia – e do peso da discriminação na vida das pessoas LGBT em Portugal. Elza Pais compreendeu afinal a importância do Orgulho que afirmamos por oposição à vergonha para a qual somos sistematicamente remetid@s.Aliás, Elza Pais fez questão de aceitar o nosso convite para fazer um discurso no Arraial Pride 2007, juntando-se a nós nesse momento de luta pela Igualdade – e de celebração da luta pela Igualdade. Mais uma vez, um facto inédito – a pessoa responsável por uma estrutura governamental fez questão de estar presente, com orgulho, no maior e mais visível evento LGBT do país.
Enquanto responsável pelo AEIOT, Elza Pais assumiu como sua a responsabilidade de mostrar ao país que as pessoas LGBT são pessoas. Mas fê-lo porque, ao contrário do Estado português, não nos considera pessoas de segunda.
Já o tinha provado ao subscrever a nossa Petição pela Igualdade no Acesso ao Casamento Civil – e aliás tinha também participado na moderação de um painel no Fórum do Casamento entre Pessoas do Mesmo Sexo, que a Associação ILGA Portugal co-organizou com o Centro de Estudos em Antropologia Social do ISCTE em Novembro de 2005.
Provou-o de novo ao pronunciar-se publicamente (e quase de forma solitária) contra a legislação sobre Procriação Medicamente Assistida aprovada em 2006 que veio reforçar o regime de apartheid ainda existente em Portugal para lésbicas e gays quanto ao casamento e também quanto à adopção. É que mulheres solteiras (heterossexuais ou lésbicas) e casais de lésbicas foram impunemente excluídas do acesso à saúde, ao arrepio da Constituição – ainda que o actual Presidente da República Portuguesa nunca tenha respondido ao nosso pedido de fiscalização da constitucionalidade desta lei.E vale a pena olharmos um pouco para esta lei, aprovada no ano passado. Em Espanha, as técnicas de PMA estão disponíveis desde 1988 para qualquer mulher maior, em bom estado de saúde psico-física, que, uma vez tendo sido prévia e devidamente informada, aceite recorrer à PMA de forma livre e consciente. Em Portugal, o acesso às técnicas de PMA existe apenas para casos de infertilidade – mas para além disso, só têm acesso à PMA as mulheres que sejam devidamente tuteladas por um homem (casadas ou em união de facto).
Sexismo e homofobia aparecem afinal aqui lado a lado, uma vez mais. Aliás, porque temos sempre vindo a analisar com particular atenção a homofobia e os seus mecanismos, sabemos que ela está umbilicalmente ligada ao sexismo: a homossexualidade e a transsexualidade são entendidas como violações dos papéis de género hegemónicos.
Sendo a sexualidade estruturante do género, a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género é inevitavelmente um dos pilares da discriminação com base no género. Elza Pais mostrou compreendê-lo ao criticar esta lei – e, enquanto pessoa empenhada na igualdade de género, mostrou compreendê-lo na preocupação que dedicou à discriminação das pessoas LGBT no âmbito deste Ano Europeu.Claro que há ainda muito a fazer – e esperamos continuar a trabalhar com Elza Pais para que a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género não volte para o armário, para que as palavras “lésbica, gay, bissexual e transsexual” não deixem de ser pronunciadas, e para que a igualdade de género seja assim prosseguida de uma forma simultaneamente mais abrangente e mais incisiva.
Mas após a experiência do AEIOT, sabemos que Elza Pais partilha connosco não só a convicção de que género e sexualidade são indissociáveis, mas também a preocupação genuína com a Igualdade. As suas convicções e a sua clara vontade de lutar por elas merecem hoje o nosso reconhecimento – e, claro, o nosso incentivo para que continuemos tod@s a lutar por uma sociedade mais justa, mais coesa, ou, nas palavras de Zapatero aquando da aprovação da igualdade no acesso ao casamento civil, por uma sociedade mais decente.
Premiamos hoje assim o empenho claro de Elza Pais nesta luta contra a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género, porque foi esse empenho que fez com que passasse a haver afinal mais igualdade de oportunidades na luta pela igualdade de oportunidades para tod@s. Celebramos hoje esse empenho com o Prémio Arco-Íris 2007 e, claro, com o nosso aplauso.O Prémio atribuído a Elza Pais inclui o troféu Arco-Íris bem como o tradicional diploma do Prémio Arco-Íris, para além de instrumentos para a continuação da luta contra a homofobia.
Tod@s @s premiad@s receberão um DVD do filme “Fabulous! The story of queer cinema”, um documentário que mostra a evolução nas representações cinematográficas da homossexualidade – e a forma como a homofobia tem condicionado essas representações ao longo do tempo. Tod@s @s premiad@s receberão ainda o CD “Luz” de Pedro Abrunhosa, por razões que serão explicadas em breve. E Elza Pais recebe ainda um livro “Crónica” que relata a iniciativa transfronteiriça “Ágora – o debate peninsular” de 2006. Esta iniciativa, promovida anualmente pelo Gabinete de Iniciativas Transfronteiriças da Junta da Extremadura, pretende estabelecer anualmente uma ponte de diálogo entre Portugal e Espanha. Em 2006, a Ágora Palestra foi dedicada à percepção pública da homossexualidade em Espanha e Portugal – duas realidades actualmente bem diferentes sobretudo como consequência da intervenção do poder político – e contou com a participação de um representante da Associação ILGA Portugal, estando o respectivo relato incluído nesta edição.Francisco Pinto Balsemão
A Associação ILGA Portugal entende que é fundamental que este Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Tod@s não seja apenas uma excepção num quadro de negligência dos direitos das pessoas LGBT – e é portanto fundamental que a luta pela Igualdade continue depois de 2007. Para isso, temos vindo a reivindicar medidas que marquem uma verdadeira mudança de atitude do Estado face às pessoas LGBT – e vincámos ao longo do ano a nossa expectativa de que 2007 fosse finalmente o ano em que a homofobia deixaria de estar consagrada na lei. Paradoxalmente, 2007 foi simultaneamente o ano em que se tornou evidente que para o poder político a luta contra a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género está longe de ser prioritária.
Lembramos que em 2004, na sequência do nosso trabalho, Portugal tornou-se o primeiro país da Europa e o terceiro país do mundo a incluir explicitamente na sua Constituição (no artigo 13º) a proibição da discriminação com base na orientação sexual.
Em 2005, o Governo socialista de Zapatero consagrou em Espanha a plena igualdade legal para gays e lésbicas no acesso ao casamento civil e, por inerência, no acesso à adopção.
2006 foi, por sua vez, marcado pelo crescendo da reivindicação pública e da discussão mediática da questão da igualdade no acesso ao casamento civil em Portugal. A Associação ILGA Portugal promoveu e entregou ao Presidente da Assembleia da República a Petição pela Igualdade no Acesso ao Casamento Civil, que recolheu 7133 assinaturas. Simultaneamente, um casal de mulheres, Teresa Pires e Helena Paixão, viram o conservador da 7.ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa indeferir a sua pretensão de casamento, tendo interposto um recurso da decisão que chegou agora ao Tribunal Constitucional. Também dois partidos com representação parlamentar, o Bloco de Esquerda e o Partido Ecologista «Os Verdes», apresentaram então projectos-lei para acabar com a discriminação no acesso ao casamento; e a Juventude Socialista, cuj@s deputad@s integram o grupo parlamentar do Partido Socialista, apresentou um ante-projecto que deveria dar origem a um projecto em 2007, propondo-se convencer o Partido Socialista a aprová-lo.No entanto, 2007 foi um ano de adiamento sistemático da questão da igualdade no acesso ao casamento civil. O deputado Pedro Nuno Santos, líder da Juventude Socialista, interveio na Assembleia da República no dia 17 de Maio, dia que promovemos como Dia Mundial de Luta Contra a Homofobia, reafirmando que a luta contra a discriminação com base na orientação sexual pressupunha a igualdade no acesso ao casamento civil e o fim da actual discriminação na lei. Helena Pinto, deputada do Bloco de Esquerda, subscreveu a posição, desafiando o Partido Socialista a aprovar essa medida. Seguiu-se o silêncio.
Aliás, a nossa Petição pela Igualdade no Acesso ao Casamento Civil não foi ainda apreciada nem discutida em plenário, apesar do número de assinaturas que recolheu – e apesar de todos os prazos legais terem sido ultrapassados há muito.A Associação ILGA Portugal continuará inevitavelmente a chamar a atenção para a urgência da luta contra a discriminação – e para a urgência da igualdade. Mas foi a sociedade civil que veio uma vez mais demonstrar a compreensão da justiça desta reivindicação.
Francisco Pinto Balsemão é uma personalidade sobejamente conhecida em Portugal. Fundador do Partido Social Democrata, é Presidente do Conselho de Administração do Grupo Impresa – que detém, nomeadamente, os canais de televisão da SIC e o jornal Expresso.
Um jornalista da SIC quis casar-se e pediu uma licença de casamento. Esta licença foi concedida por Francisco Pinto Balsemão. O facto parece banal e não merecedor de qualquer nota. E será assim em breve, queremos acreditar.
No entanto, sendo este jornalista gay, a decisão torna-se histórica.Não sendo possível o casamento entre pessoas do mesmo sexo em Portugal, este jornalista e o futuro marido tiveram que se deslocar a outro país. E porque Espanha, Bélgica, Holanda, África do Sul e o Estado de Massachusetts nos E.U.A. exigem que pelo menos uma das pessoas seja nacional ou residente do respectivo país para se poder celebrar o casamento, o destino do casal foi o Canadá – o único país que permite o casamento de duas pessoas não nacionais e não residentes.
Mas, ainda que casados no Canadá, este casamento não tem transcrição em Portugal – ou seja, a lei portuguesa não o reconhece e não lhe atribui quaisquer efeitos legais.
Nomeadamente, não confere o direito a uma licença de casamento.Francisco Pinto Balsemão optou assim por tomar uma decisão que terá entendido como a mais correcta e a mais justa, mas que se adiantou afinal à própria lei.
Em questões de direitos fundamentais, acreditamos que a lei deve antecipar-se à sociedade e ser um motor de mudança de mentalidades. Seja em relação ao fim do apartheid racista, seja em relação ao fim da exclusão de mulheres no acesso ao direito de voto, ou seja em relação ao fim da exclusão de gays e de lésbicas no acesso ao casamento civil, a lei tem que saber recusar o preconceito e deixar de o legitimar.
O exemplo de Francisco Pinto Balsemão vem mostrar que, pelo contrário, a sociedade se vai antecipando já à lei, reconhecendo com naturalidade o que a lei ainda recusa. E vem mostrar que o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma questão de justiça.
Trata-se por isso de um óptimo exemplo de verdadeiro respeito pelas pessoas; um exemplo que esperamos venha a ser seguido por todo o tecido empresarial português. A liberdade e a igualdade são valores de tod@s, o respeito pelas pessoas é um valor de tod@s – e são valores de tod@s porque fazem com que tod@s ganhemos, porque contribuem para uma sociedade menos fracturada, mais saudável e mais funcional. Foi essa a lição de democracia de Francisco Pinto Balsemão; uma lição simples mas absolutamente eloquente que celebramos hoje com o Prémio Arco-Íris 2007 e com o nosso aplauso.O Prémio atribuído a Francisco Pinto Balsemão inclui o troféu Arco-Íris bem como o tradicional diploma do Prémio Arco-Íris, para além de instrumentos para a continuação da luta contra a homofobia: uma vez mais o DVD do filme “Fabulous! The story of queer cinema”, o CD “Luz” de Pedro Abrunhosa e ainda o livro “L’homophobie” de Daniel Borrillo. Daniel Borrillo é Professor de Direito na Universidade de Paris X e foi um dos intervenientes no Fórum do Casamento entre Pessoas do Mesmo Sexo e no Colóquio “LGBT – Cidadania Plena para Tod@s” organizado no âmbito do Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Tod@s.
Pedro Abrunhosa
«Para a presunçosa arrogância da ignorância nacional, Gisberta era apenas uma bicha brasileira drogada que se vestia de mulher e se prostituía na rua e que – como muitas outras o são também diariamente por todo o país – podia e merecia ser agredida. Só que Gisberta morreu.»
As palavras são de São José Almeida, Prémio Arco-Íris 2006, num artigo de opinião no Público.2006 foi marcado pelo chamado “caso Gisberta”. A transsexual Gisberta Salce Júnior sofreu agressões violentas diárias e sevícias sexuais que culminaram com a sua morte por afogamento, após ter sido atirada para um poço de mais de 15 metros de profundidade.
Os menores que a torturaram ao longo de três dias, que ignoraram os pedidos de ajuda de Gisberta, e que ponderaram a hipótese de a incendiar antes de decidirem finalmente atirá-la para o poço, afirmaram que se tratou de uma simples “brincadeira”.Os menores foram inicialmente acusados de homicídio tentado e de ocultação de cadáver, mas o Ministério Público reduziu a primeira acusação para “ofensas corporais agravadas”. O poder judicial optou por não responsabilizar os menores pela morte de Gisberta – e também não responsabilizou a Oficina de S. José, instituição que os tutelava, nem o Estado, responsável último pelos menores institucionalizados. O sentimento de injustiça e de impunidade foi agravado pelo completo silêncio do poder político que não fez qualquer reflexão sobre as suas responsabilidades neste caso. Para o poder político, Gisberta parece não ter existido.
E a realidade é que, para o Estado português, Gisberta nunca existiu. Como muitas pessoas transsexuais em Portugal, Gisberta não teve nunca direito à sua identidade. Mesmo depois da sua morte, Gisberta continuava a ter um nome masculino para muitos meios de comunicação social (que insistiam em classificá-la como “um sem-abrigo” ou “o transsexual”) – e para o próprio Tribunal, que tentava averiguar as condições da morte de uma pessoa que afinal não existia.
Ignorar a identidade de género de Gisberta é ignorar a sua existência – e ignorar a forma como o vazio legal em relação à transsexualidade acaba por convidar à marginalização.Mas 2007 não deixou Gisberta cair em esquecimento. O documentário Jogo de Espelhos, na RTP, da autoria da jornalista Margarida Metello, foi em busca de Gisberta, dando-lhe uma vida, uma família, uma história, fazendo-a existir. Mas foi Pedro Abrunhosa quem a imortalizou na “Balada de Gisberta”, um tema do seu último álbum “Luz”.
Nesta Balada, Pedro Abrunhosa canta na 1ª pessoa – Pedro Abrunhosa é Gisberta, identifica-se com Gisberta, incorpora-a, “perde-se no nome” e canta a sua história, fazendo com que Gisberta não seja uma pessoa distante, “estranha”, “estrangeira”. E na letra da canção, é a própria Gisberta que reflecte, consciente, sobre a sua fragilidade e sobre a sua situação de exclusão:
Trouxe pouco,
Levo menos,
E a distância até ao fundo é tão pequena,
No fundo, é tão pequena,
A queda.E o amor
é tão longe.O caso Gisberta é um caso que exige uma análise lúcida e a tentativa de compreensão da sociedade que construímos e dos erros que são cometidos nessa construção. Exige que alertemos decisores políticos para o que leva a que “a distância até ao fundo” possa ser tão pequena – e o que faz “o amor ser tão longe”.
Pedro Abrunhosa desafia-nos a pensar, desafia-nos a questionar e a repensar o mundo em que Gisberta não pôde viver.Em Espanha, o governo socialista de Zapatero atribuiu a cidadania plena às pessoas LGBT – nomeadamente através da aprovação de uma lei da identidade de género que facilita a correcção do registo de sexo e do nome, visando combater a exclusão social das pessoas transsexuais. Em Portugal, a Associação ILGA Portugal – e o seu Grupo de Reflexão e Intervenção sobre Transsexualidade – tem vindo a reivindicar que a actual maioria aprove uma lei da identidade de género e explique de forma bem clara aquilo que deveria ser óbvio e que obviamente não o é: que Gisberta tinha direito a existir.
É esse direito a existir que Pedro Abrunhosa tenta restituir a Gisberta, com esta sua Balada. Pedro Abrunhosa dá um passo fundamental para devolver a Gisberta a sua identidade e torna evidente a sua preocupação com a dimensão política da arte – e esta consciência cívica merece hoje o nosso reconhecimento.
Mas Pedro Abrunhosa vai mais longe. Desafia-nos também a sentir. Este é um caso que ao mesmo tempo transcenderá sempre o domínio da racionalidade.
E precisamos também de lembrar – e chorar – Gisberta. Precisávamos desta Balada de Gisberta e desta Luz de Pedro Abrunhosa que homenageamos hoje.O Prémio atribuído a Pedro Abrunhosa inclui o troféu Arco-Íris bem como o tradicional diploma do Prémio Arco-Íris, para além de instrumentos para a continuação da luta contra a homofobia: o livro “L’homophobie” de Daniel Borrillo; o DVD do filme “Fabulous! The story of queer cinema”; e ainda o DVD do filme “Transamerica”, uma representação da vida de uma mulher transsexual nos Estados Unidos, desta vez com um final feliz – porque as experiências de vida das pessoas transsexuais são diversas, apesar das dificuldades e reivindicações comuns.
As Tardes da Júlia
A grande surpresa mediática de 2007 chama-se “As Tardes da Júlia”: um talk-show que ocupa as tardes da TVI, conduzido por Júlia Pinheiro.
Num horário habitualmente marcado pelo silêncio em relação às pessoas LGBT, “As Tardes da Júlia” dedicou várias edições a conhecer e a dar a conhecer melhor a realidade das pessoas LGBT.Uma especificidade da orientação sexual é o facto de ela não ser visível. Daí que um país possa ser surpreendido com uma primeira página do Expresso que afirma que 10% das pessoas são homossexuais. A interiorização de que o mundo não é feito de pessoas heterossexuais só acontece com a visibilidade das pessoas homossexuais. É que a invisibilidade da homossexualidade só é quebrada quando ela é afirmada – e o silêncio é por isso uma arma da homofobia.
E a homossexualidade tem mesmo que se tornar visível porque o heterossexismo não quer vê-la: basta pensar que duas mulheres que vivem juntas deverão ser apenas “amigas”. O heterossexismo treina as pessoas para que na sua estrutura mental não “caiba” a homossexualidade. É fundamental alterar esta percepção e interiorizar a ideia de que há lésbicas e gays no supermercado, no autocarro, na escola, no hospital, na repartição de finanças.
Daí a importância da edição d’”As Tardes da Júlia” dedicada ao tema “Somos gays… e então?”. O programa incluiu entrevistas com várias lésbicas e vários gays e mostrou compreender não só a necessidade da sua visibilização mas a necessidade de mostrar a diversidade de lésbicas e gays, contribuindo assim (até com o título escolhido para a edição) para a nossa luta “pelo direito à indiferença”.
“Pelo direito à indiferença” é, como saberão, o lema da campanha publicitária que a Associação ILGA Portugal lançou em 2005. Porque a ideia de diferença só é relevante quando essa diferença gera desigualdade, o nosso objectivo é eliminar a desigualdade na lei e na sociedade, para que a apregoada “diferença” na orientação sexual perca saliência. Para que não seja esta “diferença” a servir para catalogar as pessoas e para as atirar para planos diferentes de cidadania.Mas esta luta começa pelo princípio: mostrar a homofobia, denunciá-la, questioná-la e desconstruí-la é um primeiro passo fundamental. E “As Tardes da Júlia” deram também esse passo numa outra edição em que assistimos a um depoimento tocante de um adolescente de 15 anos que, sendo gay, quis contrapor o seu exemplo às reacções homófobas de outros convidados do programa – e a inclusão deste depoimento foi mais uma escolha inteligente e responsável do programa “As Tardes da Júlia”.
Outra edição notável deste programa foi dedicada à parentalidade de gays ou de lésbicas. Já existem obviamente muit@s gays e lésbicas com filh@s – quer de relações anteriores com pessoas de sexo diferente, quer através da inseminação, quer através da adopção monoparental.
Mas mais uma vez, sobretudo numa questão que é sistematicamente abordada através das lentes do preconceito, é crucial a visibilidade – para que se perceba que falamos de famílias concretas e não de ideias abstractas e fantasmas.
Aliás, foi com base em muita investigação baseada em famílias concretas que os órgãos colegiais de Pediatria, Psicologia e Psiquiatria nos Estados Unidos da América, compostos por muitos milhares de profissionais que têm acesso a toda a investigação produzida neste campo e que conseguem averiguar a sua credibilidade, já vieram endossar, sem deixar margem para dúvidas, a adopção por casais homossexuais – e as capacidades parentais de gays e lésbicas.No que diz respeito à parentalidade, não duvidamos que os interesses e direitos das crianças são soberanos e prioritários em relação a quaisquer outros – mas são precisamente esses interesses e direitos que são incompatíveis com as leis actuais.
Porque uma análise das causas da institucionalização de crianças e o número de crianças institucionalizadas deveriam ser suficientes por si só para condenar a actual exclusão a priori de casais de pessoas do mesmo sexo no acesso à adopção.
Porque se um casal de pessoas do mesmo sexo cria um filho em conjunto, claro que ambos os membros do casal têm que poder deter o poder parental sobre essa criança – porque é a própria criança que ficará prejudicada e desprotegida perante a lei caso isso não aconteça.Mostrar famílias e histórias de vidas concretas, denunciar as ficções que limitam irresponsavelmente as vidas de muitas crianças, contrapor a realidade das pessoas à ficção do preconceito: eis uma tarefa de cidadania mais uma vez bem desempenhada pel’ “As Tardes da Júlia”.
E também as pessoas transsexuais precisam de poder mostrar a sua realidade – uma realidade sistematicamente ignorada ou, em alternativa, prisioneira de representações estereotipadas, que merece e precisa de ser visível e audível na sociedade.
Há muitas pessoas para quem a sua identidade de género – a identificação psicossocial como homem ou mulher – não corresponde ao sexo que lhes foi atribuído e registado no assento de nascimento. O programa “As Tardes da Júlia” quis fazer ouvir as suas vozes, dedicando uma edição a mulheres transsexuais (as pessoas com uma identidade de género feminina, e cujo sexo atribuído à nascença foi o masculino) e outra edição a homens transsexuais (as pessoas com uma identidade de género masculina, e cujo sexo atribuído à nascença foi o feminino).
E, valorizando ambas, vamos enfatizar esta última edição, porque foi de facto pioneira – mesmo porque, apesar de igualmente relevante do ponto de vista estatístico, é essa a realidade mais sistematicamente ignorada nos meios de comunicação social.
Nessa edição de “As Tardes da Júlia”, vários homens transsexuais contaram as suas experiências, denunciaram as dificuldades inerentes à transição em Portugal, afirmaram com naturalidade a sua identidade e diversidade – e provaram, mais uma vez com os seus exemplos pessoais, como é fundamental e justo reconhecer e respeitar a identidade de cada pessoa.
O programa ajudou a perceber a distinção entre identidade de género e orientação sexual, ao incluir o exemplo de um homem transsexual gay. De uma forma simples, explicou-se assim que, tal como as pessoas cissexuais (ou seja, tal como as pessoas não-transsexuais), as pessoas transsexuais podem ter qualquer orientação sexual.
E realçamos ainda uma intervenção do sexólogo Santinho Martins que frisou a urgência da aprovação de uma Lei da Identidade de Género em Portugal – porque a lacuna na lei significa um convite à exclusão e o não-reconhecimento da cidadania das pessoas transsexuais.
Aliás, a complementaridade das várias intervenções nesta edição d “As Tardes da Júlia” foi notável – e o resultado final extremamente positivo. Dedicado a um tema muito pouco abordado em Portugal, este programa conseguiu falar para uma grande audiência da situação social, clínica e legal das pessoas transsexuais de uma forma séria e empenhada – e foi mais um passo no sentido da integração social das pessoas LGBT em Portugal.Os meios de comunicação social têm um papel particularmente importante no combate à discriminação das pessoas LGBT. Como qualquer discriminação, esta é também baseada num preconceito que encontra a sua força na ignorância – pelo que informação e formação são indispensáveis para a combater. O poder mediático traz associada esta responsabilidade de contribuir para uma discussão séria que combata o facilitismo do preconceito.
Ao longo de 2007, a equipa do programa “As Tardes da Júlia” provou não só ter consciência da sua responsabilidade social mas ser capaz de contribuir para uma efectiva promoção da cidadania plena para tod@s – afinal, um verdadeiro Serviço Público que justifica hoje este nosso reconhecimento e o nosso aplauso.O Prémio atribuído ao programa “As Tardes da Júlia” inclui o troféu Arco-Íris bem como o tradicional diploma do Prémio Arco-Íris, para além de instrumentos para a continuação da luta contra a homofobia: o livro “L’homophobie” de Daniel Borrillo; o DVD do filme “Fabulous! The story of queer cinema”; e ainda o CD “Luz” de Pedro Abrunhosa.
“A outra margem”, Luís Filipe Rocha
Em Portugal, tem havido uma evolução também na atenção mediática à discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género. Não podemos deixar de chamar a atenção para Fernanda Câncio, Prémio Arco-Íris 2005, que em 2007 continuou a insistir na urgência da igualdade e a denunciar a violência do preconceito contra as pessoas LGBT em artigos de opinião na Notícias Magazine, no Diário de Notícias e no blog cincodias.net. O único “problema” dos artigos de Fernanda Câncio é serem sempre tão fortes que nos deveriam obrigar a repetir a atribuição do Prémio Arco-Íris anualmente…
Outro artigo que merece ainda o nosso destaque foi uma peça no Expresso que, ainda que refém da ideia de binarismo, lançou o debate sobre as pessoas Intersexo – um debate ainda embrionário em Portugal, embora claramente necessário.
E em 2007, as pessoas LGBT tornaram-se também mais visíveis em vários meios de comunicação social – e chamamos a atenção para uma entrevista de João Grosso à revista Caras e ainda para uma sólida reportagem na Visão sobre adolescentes homossexuais.Porque a homofobia se alimenta da invisibilidade, a visibilização d@s LGBT tem sido uma preocupação permanente da Associação ILGA Portugal. Mas se, por entre armários que subsistem, vai crescendo em Portugal a percepção da realidade LGBT, é fundamental que @s LGBT possam simultaneamente ver-se representad@s na ficção, no seu duplo papel de reflexo e modelo da realidade. É que “um milhão de portugueses são homossexuais” mas continuamos muito longe de ver lésbicas, gays, bissexuais e transgénero a perfazer 10% das personagens de, por exemplo, um filme ou uma telenovela.
Este ano, na literatura, o romance de Rosa Lobato Faria “A alma trocada” ou o romance de Eduardo Pitta “Cidade Proibida” deram protagonismo às personagens LGBT. Mas foi o cinema, com a sua visibilidade e impacto, que nos trouxe este ano uma surpresa chamada “A outra margem”.
Para além dos filmes de João Pedro Rodrigues, não nos lembramos de um filme português das últimas décadas que tenha como protagonista um homem gay. Mas este é um filme que, sobretudo, aborda e explora a homofobia. Quisemos por isso realçar também o trabalho do realizador e argumentista, Luís Filipe Rocha.Ricardo – a personagem interpretada por Filipe Duarte – é um homem gay, transformista num bar de Lisboa. O seu companheiro morreu e vimos a saber que se suicidou. Nunca nos é dito porquê – mas as pistas estão lá.
Quanto Ricardo vai ao Alentejo dar a notícia aos pais do companheiro, a reacção é o insulto e a ameaça. “Paneleiro do caralho” é o grito do pai; a mãe diz só que o filho já estava morto há muito tempo. Esta cena, um retrato cru de homofobia, não é infelizmente só ficção. O insulto continua a ser constitutivo da identidade das pessoas LGBT, que conhecem o insulto antes até de se conhecerem. É no insulto que gays e lésbicas crescem, é no insulto que descobrem afinal a sua identidade. E não se trata de qualquer insulto, porque também nos insultos há uma hierarquia. E a realidade é que a taxa de ideação e tentativa de suicídio em jovens homossexuais é muito superior à de jovens heterossexuais. O preço da homofobia é ainda, muitas vezes, a morte.Ricardo sobrevive a esta confrontação, mas tenta suicidar-se também pouco depois. É essa tentativa falhada de suicídio que lhe permite retomar o contacto com a sua irmã Maria e conhecer o seu sobrinho Vasco. Ambos vivem em Amarante, a terra natal de Ricardo – mas ambos vivem também outras margens: Vasco tem Síndroma de Down, Maria é mulher (e mãe solteira).
Quando Ricardo vai para Amarante, retoma ainda o contacto com o seu pai, José – e vemos como uma vez mais a única margem completamente intransponível é a que o separa do filho gay. Uma vez mais, a homofobia vence.Mas é com Vasco – e com Maria – que Ricardo reaprende a viver. O filme conta-nos a história desta reaprendizagem – e vamos mesmo ter que revelar o final: é que Vasco, que quer ser actor de teatro, acaba por ir viver com o tio para Lisboa, com o encorajamento da mãe. Contra todas as expectativas geradas pelo preconceito, é Ricardo que afinal vai desempenhar o papel de “pai social” de Vasco. O mesmo filme que denuncia as vitórias da homofobia mostra que afinal é possível derrotá-la.
Uma nota final para referir um pormenor importante: é que a melhor amiga de Ricardo em Lisboa é uma mulher transsexual e o filme tem até o cuidado de fazer a distinção entre orientação sexual e identidade de género. Pedagógico mas subtil, “A outra margem” é claramente um filme que quer intervir na sociedade que cria todas estas margens. E é também um filme que quer mostrar como a comunicação entre as várias margens é possível – e embora se trate de uma coincidência, poderia quase ser um filme dedicado ao Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Tod@s, conjugando personagens que encaixam em diferentes categorias de discriminação.
É com orgulho que vemos hoje em exibição, em salas de cinema por todo o país, um filme LGBT português – e é com orgulho que temos a oportunidade de o celebrar aqui, hoje, com este nosso Prémio Arco-Íris 2007 e com o nosso aplauso.
O Prémio atribuído ao filme “A outra margem” e a Luís Filipe Rocha inclui o troféu Arco-Íris bem como o tradicional diploma do Prémio Arco-Íris, para além de instrumentos para a continuação da luta contra a homofobia: o livro “L’homophobie” de Daniel Borrillo; o DVD do filme “Fabulous! The story of queer cinema”; e ainda o CD “Luz” de Pedro Abrunhosa.
Por tudo isto, @s noss@s premiad@s merecem a nossa sincera homenagem.
Cabe-nos agradecer, reconhecer, aplaudir e incentivar @s noss@s convidad@s através deste Prémio: o Prémio Arco-Íris atribuído pela Associação ILGA Portugal, associação de defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgénero, em reconhecimento dos seus contributos para uma democracia mais aberta, inclusiva e verdadeira, baseada na valorização da diversidade e na igualdade de direitos.
Prémios Arco-Íris 2006
A 4ª cerimónia de entrega de prémios arco-íris realizou-se no dia 11 de novembro de 2006 no Centro Comunitário, no âmbito do seu nono aniversário.
Prémios atribuídos a:
- “Aqui não há quem viva”, Teresa Guilherme Produções
- advogado Luís Grave Rodrigues, e o casal Helena Paixão e Teresa Pires pela primeira tentativa de casamento entre pessoas do mesmo sexo em Portugal
- jornalista São José Almeida
- “Laramie”, Teatro Municipal Maria Matos (Diogo Infante, Direção Artística)
- Prémio Arco-Íris Instituição – Unidade de Missão para a Reforma Penal
Textos de apresentação dos prémios atribuídos.
-
Enquanto Associação de defesa dos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero (LGBT), a Associação ILGA Portugal tem sempre tido como causa primeira a luta contra a homofobia.
É que a homofobia, enquanto atitude de hostilidade para com @s LGBT, tem consequências que conhecemos bem demais: na família, na escola, no acesso a bens e serviços, no trabalho, e até na própria lei, a homofobia vai-se manifestando diariamente, continuando a tentar tornar-nos menos do que somos.E embora a Associação ILGA Portugal continue a empenhar-se na divulgação de situações de discriminação e no combate ao preconceito homófobo, esta nossa causa não é, nem deve, nem pode ser só nossa.
Tal como outras formas de exclusão, a homofobia contribui para uma sociedade mais fracturada, menos saudável e menos funcional. Porque a homofobia é, afinal, um problema social, teremos tod@s que o resolver em conjunto. E porque a luta contra a homofobia não tem ainda um fim à vista, ela torna-se tanto mais urgente e merecedora do nosso esforço concertado.
Na realidade, a nossa causa é e deve ser uma causa aberta.Daí que a Associação ILGA Portugal atribua anualmente o seu Prémio Arco-Íris, como forma de reconhecimento e incentivo a personalidades e a uma instituição que, com o seu trabalho, se distinguiram na nossa – e vossa – luta contra a homofobia.
Foi já em 2004 que Portugal se tornou o primeiro país da Europa e o terceiro país do mundo a incluir explicitamente na sua Constituição (no artigo 13º) a proibição da discriminação com base na orientação sexual. Por seu lado, 2005 foi um ano marcado pela mudança legal em Espanha, com o Governo socialista de Zapatero a consagrar a plena igualdade legal para gays e lésbicas no acesso ao casamento civil e, por inerência, no acesso à adopção.
Mas 2006 foi um ano também marcante: por bons e maus motivos.
Unidade de Missão para a Reforma Penal
Desde a revisão constitucional de 2004, que fez com que a Lei Fundamental passasse a proibir explicitamente a discriminação com base na orientação sexual, lutar contra a homofobia na sociedade e na lei é mais do que um requisito ético: é agora também a concretização de um dos princípios basilares da República Portuguesa.
E já há muito que defendíamos junto dos partidos com assento parlamentar que um crime motivado pelo ódio homófobo tem repercussões sociais importantes devendo por isso ser punido em conformidade.
Assim, aplaudimos a proposta de revisão do Código Penal apresentada pela Unidade de Missão para a Reforma Penal que inclui a introdução de agravamentos penais explícitos para crimes motivados pela homofobia, à semelhança do que acontece já com o racismo ou com sentimentos anti-religiosos. Mais: incitar ou encorajar a discriminação com base na orientação sexual passa a ser penalizado de uma forma explícita.
Claro que gostaríamos de ver a identidade de género incluída também explicitamente, em paralelo com a orientação sexual, mas estamos cert@s que a listagem de categorias é exemplificativa e que a discriminação com base na identidade de género será analogamente punida e prevenida.
Por seu lado, a Associação ILGA Portugal sempre defendeu a também anunciada revogação do art. 175º do Código Penal devido ao seu carácter claramente discriminatório.
A diferença na idade do consentimento para relações hetero- e homossexuais, estabelecida pelos artigos 174º e 175º do Código Penal, faz com que o art. 175º represente actualmente, tal como o Tribunal Constitucional determinou já por duas vezes, uma violação do art. 13º da nossa Constituição.Louvamos portanto a lucidez destas medidas anunciadas pela Unidade de Missão para a Reforma Penal, por serem mais um passo no sentido da eliminação da discriminação na lei e no sentido do reconhecimento da homofobia como um problema social que urge combater.
Num país em que a educação anti-homofobia continua a ser cuidadosamente ignorada pelos poderes públicos, continuaremos naturalmente a insistir no cumprimento da promessa eleitoral do Partido Socialista de combate à homofobia através do “desenvolvimento de acções anti-discriminatórias junto de grupos sociais particularmente sensíveis para a qualidade da nossa democracia”. A realidade portuguesa, bem como a preocupação manifestada pelo Parlamento Europeu em 2006 na Resolução sobre a Homofobia na Europa, deverão levar o Governo e a Assembleia da República a compreenderem a urgência de um pacote de medidas concretas de luta contra a homofobia na sociedade e na lei, em coerência com a preocupação já demonstrada pela UMRP.
Mas a Unidade de Missão para a Reforma Penal foi mais longe: nas propostas de revisão do Código Penal e do Código de Processo Penal, a analogia entre cônjuges e unid@s de facto é uma constante, explicitando-se sempre que um casal pode ser constituído por duas pessoas de sexo diferente ou por duas pessoas do mesmo sexo. É assim, por exemplo, na punição da violência doméstica, no direito a apresentar queixa ou no direito a não testemunhar. A lógica subjacente a estes projectos é simplesmente uma lógica de equivalência absoluta entre casais hetero- e homossexuais: no fundo, uma lógica baseada na ausência de homofobia, o que permite, de forma coerente, sugerir simultaneamente a sua punição.
Poderia dizer-se que se trata de uma decorrência do princípio constitucional da igualdade, mas a realidade é que muit@s responsáveis polític@s continuam a ignorá-lo – ou mesmo a opor-se a ele. A competência e a seriedade da Unidade de Missão para a Reforma Penal merecem, pois, o nosso aplauso – e são um modelo de empenho na luta contra a homofobia.
O Prémio atribuído à Unidade de Missão para a Reforma Penal inclui o tradicional diploma do Prémio Arco-Íris, bem como instrumentos para a continuação da luta contra a homofobia.
Tod@s @s premiad@s recebem o livro “Homofobia” de Daniel Borrillo. Daniel Borrillo é Professor de Direito na Universidade de Paris X e foi um dos intervenientes no Fórum do Casamento entre Pessoas do Mesmo Sexo. Infelizmente, ainda não existe uma tradução portuguesa, mas optámos pela tradução em castelhano (e assim aproveitamos para chamar a atenção para a forma como Espanha se tem colocado na linha da frente da luta contra a homofobia…).
Porque se trata do Prémio Arco-Íris Instituição, outro prémio é o livro “Dictionnaire de l’homophobie” organizado por Louis-Georges Tin, promotor da criação do Dia Mundial de Luta Contra a Homofobia a 17 de Maio. Refira-se que este Dia, reconhecido pelo Parlamento Europeu, pela Bélgica e a nível local no Brasil, ainda não é celebrado oficialmente em Portugal, embora continuemos a fazer pressão para que isso aconteça (a nível nacional e a nível local).
Finalmente, cada premiad@ receberá um DVD específico. O DVD atribuído à UMRP é o documentário “Paragraph 175”. O “parágrafo 175” era o artigo do Código Penal alemão que punia a homossexualidade no tempo da Alemanha nazi. Curiosamente, 175 é também o nº do artigo do Código Penal português que punia a homossexualidade e que, após várias revisões, representa actualmente a discriminação na idade do consentimento – e que é um dos artigos que a UMRP veio abolir. Mas para além desta coincidência, o filme mostra sobretudo uma página marcante na história da homofobia – uma história que infelizmente ainda está longe de acabar, em Portugal e no mundo.‘Laramie’, Teatro Municipal Maria Matos (Diogo Infante: Direcção Artística)
Mas 2006 foi também marcado pelo chamado “caso Gisberta”. A transexual Gisberta Salce Júnior sofreu agressões violentas diárias e sevícias sexuais que culminaram com a sua morte por afogamento, após ter sido atirada para um poço de mais de 15 metros de profundidade.
Os menores que a torturaram ao longo de três dias, que ignoraram os pedidos de ajuda de Gisberta, e que ponderaram a hipótese de a incendiar antes de decidirem finalmente atirá-la para o poço, afirmaram que se tratou de uma simples “brincadeira”.
Os menores foram inicialmente acusados de homicídio tentado e de ocultação de cadáver, mas o Ministério Público reduziu entretanto a primeira acusação para “ofensas corporais agravadas”, tendo o Tribunal de Menores do Porto decidido colocar onze menores em regime semiaberto, durante 11 a 13 meses, em centros educativos do Instituto de Reinserção Social, recebendo outros dois menores acompanhamento educativo durante 12 meses.
O poder judicial optou por não responsabilizar os menores pela morte de Gisberta – e também não responsabilizou a Oficina de S. José, instituição que os tutelava, nem o Estado, responsável último pelos menores institucionalizados. Para o poder judicial, Gisberta parece ser culpada da sua morte. O sentimento de injustiça e de impunidade gerado por este julgamento é chocante, mas é sobretudo agravado pelo completo silêncio do poder político que não fez qualquer reflexão sobre as suas responsabilidades neste caso. Para o poder político, Gisberta parece não ter existido.E a realidade é que, para o Estado português, Gisberta nunca existiu. Como muitas pessoas transgénero em Portugal, Gisberta não teve nunca direito à sua identidade. Mesmo depois da sua morte, Gisberta continuava a ter um nome masculino para muitos meios de comunicação social (que insistiam em classificá-la como “um sem-abrigo” ou “o transexual”) – e para o próprio Tribunal, que tentava averiguar as condições da morte de uma pessoa que afinal não existia.
Ignorar a identidade de género de Gisberta é ignorar a sua existência – e ignorar a forma como o vazio legal em relação à transexualidade acaba por instituir a marginalização das pessoas transgénero.
Em Portugal, o processo médico e legal de redesignação de sexo e de alteração do nome não está previsto na lei, é extremamente difícil e burocratizado, muitas vezes humilhante, por vezes perigoso, sempre moroso – e muito caro, sempre que a resposta insuficiente do Serviço Nacional de Saúde obriga ao recurso a alternativas privadas que tornem a vida suportável.
Sendo as pessoas transgénero sistematicamente excluídas do acesso à educação e ao emprego, a consequência óbvia é a marginalização, bem patente na vida e na morte de Gisberta Salce Júnior.E se em Espanha, o governo socialista de Zapatero atribuiu a cidadania plena às pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgénero – nomeadamente através da aprovação de uma lei da identidade de género que facilita o processo de redesignação de sexo e de alteração do nome, visando combater a exclusão social das pessoas transgénero, em Portugal continuamos a desafiar a actual maioria a aprovar uma lei da identidade de género e a explicar de forma bem clara a estes menores e à sociedade portuguesa em geral aquilo que deveria ser óbvio e que obviamente não o é: que Gisberta tinha direito a existir.
Foi essa a mensagem que vários sectores da sociedade portuguesa quiseram também fazer passar. Surgiram artigos fortes na imprensa (como os de Madalena Barbosa no Público ou os de Eduardo Dâmaso e João M. Tavares no Diário de Notícias), demonstrando, como disse Manuel António Pina no Jornal de Notícias, que “nos sentimos todos transexuais”; Pedro Abrunhosa compôs a “Balada de Gisberta”, que cantou ao vivo. Todas estas intervenções merecem o nosso aplauso.
Mas quisemos premiar o Teatro Municipal Maria Matos pela sua intervenção.‘Laramie’ foi a primeira peça encenada no Teatro Municipal Maria Matos, sob a Direcção Artística de Diogo Infante. Escrita por Moisés Kaufman, e encenada pelo próprio Diogo Infante, ‘Laramie’ é uma peça baseada num caso real: o caso de Matthew Shepard, um gay americano de 21 anos, morto pela homofobia de dois jovens. Mas a homofobia não era exclusiva dos assassinos: no funeral de Matthew Shepard, manifestantes empunhavam cartazes dizendo “God hates fags” (o mesmo dizer que dá nome a um site na Internet que, confiamos, seria punido em Portugal pelo novo Código Penal).
No mesmo ano em que Luís Assis encenou o seu “Gay Solo” no Teatro da Comuna, contribuindo com a sua visibilidade para a luta contra a homofobia, o Teatro Municipal Maria Matos quis tornar a homofobia visível, denunciá-la e condená-la.
A peça ‘Laramie’ mostra que a homofobia não é um “problema pessoal” ou “uma questão individual”. Laramie é a cidade em que tod@s cresceram a aprender a ser homófob@s – e em que a homofobia é parte integrante de um sistema de desigualdade que abrange o sexismo e o heterossexismo e que constitui um verdadeiro problema socialE o Teatro Municipal Maria Matos quis ir mais longe. À saída da peça ‘Laramie’, o público recebia um texto, assinado pelo próprio Teatro, explicando o caso Gisberta e dizendo que afinal o caso de Laramie “Aconteceu aqui”.
É que, como alertava também Fernanda Câncio, já galardoada com o Prémio Arco-Íris em 2005, num artigo de opinião publicado no Diário de Notícias, Laramie é Portugal.
Em Portugal, tod@s crescemos a aprender a homofobia e, mais especificamente, a transfobia. Tod@s crescemos a interiorizar a desigualdade e a menorizar pessoas em função da sua orientação sexual ou em função da sua identidade de género.Referindo-se ao caso Gisberta, Fernanda Câncio dizia que são estes menores que «”têm de ser os nossos professores”, como diz o padre católico em Laramie (…) “Como é que vocês aprenderam isso? O que é que nós, enquanto sociedade, fizemos para vos ensinar isso?” (…)». E acrescenta: «seria fantástico se o juiz dissesse: ‘Para além da vossa sentença, têm de contar a vossa história.’»
‘Laramie’, no Teatro Municipal Maria Matos, conta, afinal, esta história.
A escolha de ‘Laramie’ como peça inaugural do novo Maria Matos e a sua ligação ao caso Gisberta demonstra por isso a consciência de uma responsabilidade social por parte da Direcção do Teatro – e justifica este nosso reconhecimento. É fundamental que essa consciência exista, sobretudo tratando-se de um Teatro Municipal – porque é com contributos como este que Lisboa se torna menos como Laramie.O Prémio atribuído ao Teatro Municipal Maria Matos inclui o diploma do Prémio Arco-Íris, bem como instrumentos para a continuação da luta contra a homofobia.
– Mais uma vez, o livro “Homofobia” de Daniel Borrillo.
– O outro livro que integra o Prémio Arco-Íris este ano é o livro “Duas Mães”, de Muriel Villanueva Perarnau, um relato da experiência da filha de um casal de lésbicas, que é um contributo para um debate que já teve um final feliz em Espanha mas que ainda não foi encerrado em Portugal. É de notar que a literatura LGBT teve um ano particularmente feliz, com várias traduções portuguesas publicadas – e não podemos deixar de mencionar o surgimento de uma Editora dedicada à literatura LGBT: a Bico de Pena.
Por sua vez, o DVD atribuído ao Teatro Municipal Maria Matos é o filme “Hedwig and the angry inch”, de John Cameron Mitchell. Baseado num musical concebido para teatro, é a história de uma transexual – e esperamos que inspire também a representação de transexuais nos palcos portugueses…São José Almeida
«Para a presunçosa arrogância da ignorância nacional, Gisberta era apenas uma bicha brasileira drogada que se vestia de mulher e se prostituía na rua e que – como muitas outras o são também diariamente por todo o país – podia e merecia ser agredida. Só que Gisberta morreu.»
As palavras são de São José Almeida, num entre vários artigos de opinião no Público que por si só mereceriam a nossa homenagem. Os textos de São José Almeida são sempre directos, afirmativos, fortes, informados, inteligentes, marcados pela cultura, pela coerência e pela solidez. Completamente raros em Portugal, portanto.E, ao contrário dos partidos, São José Almeida aliou a sua crítica demolidora aos julgamentos de mulheres acusadas de um dito “crime de aborto” que revelam, nas suas palavras, «uma mentalidade policial, inquisitorial, normativa, repressora, impositiva de uma moral social, cerceadora da liberdade», à crítica à nova lei que regula as técnicas de procriação medicamente assistida (PMA).
É que em Espanha, e já desde 1988, as técnicas de PMA estão disponíveis para qualquer mulher maior, em bom estado de saúde psico-física, que, uma vez tendo sido prévia e devidamente informada, aceite recorrer à PMA de forma livre e consciente. Já em Portugal, o acesso às técnicas de PMA existirá apenas para casos de infertilidade. Os partidos terão determinado que as mulheres portuguesas, ao contrário das espanholas, não sabem tomar decisões de forma consciente e por isso não devem poder fazê-lo de forma livre.
Seria importante que os partidos que defendem a despenalização do aborto tivessem uma visão integrada e coerente sobre o direito de escolha das mulheres no que diz respeito à sua reprodução. Nas palavras de São José Almeida, «é transparente que, em relação à reprodução medicamente assistida, o PS cede ao conservadorismo ultramontano, uma cedência que só não é ridícula porque é trágica».É que mesmo numa lei que se centra na questão da infertilidade, só terão acesso à PMA as mulheres que sejam devidamente tuteladas por um homem (casadas ou em união de facto). Mulheres solteiras (heterossexuais ou lésbicas) e casais de lésbicas foram impunemente excluídas do acesso à saúde. Se o Partido Socialista defende que a infertilidade é uma doença que precisa de uma resposta do Serviço Nacional de Saúde, parece afirmar que afinal o acesso a este Serviço não é universal.
Com esta legislação sobre PMA, o regime de apartheid ainda existente em Portugal para lésbicas e gays quanto ao casamento e também quanto à adopção foi reforçado, ao arrepio da Constituição – ainda que o actual Presidente da República Portuguesa nunca tenha respondido ao nosso pedido de fiscalização da constitucionalidade desta lei.Mário Sousa, especialista em medicina de reprodução laboratorial do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) e Professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, insurgiu-se contra esta discriminação – e foi apoiado na imprensa por Joana Amaral Dias no Diário de Notícias e Madalena Barbosa no Público. Mas foi São José Almeida quem desconstruiu o absurdo da lei:
«a lei assenta em outro conceito discriminatório e disparatado e que mais não é do que uma construção católica, cuja igreja, aliás, anda há séculos a tentar impô-la à Europa. Ou seja, a ideia peregrina de que para haver um filho tem de haver uma família e que para haver uma família tem de haver uma mãe (mulher) e um pai (homem) a viverem juntos.
Este estereótipo não tem correspondência histórica em nenhum país da Europa, ao longo de séculos e milénios mesmo (…) Só que os deputados portugueses desconhecem a história do país e da Europa, da família ou qualquer outra, como também desconhecem a sociologia das sociedades europeias e vivem na presunção de que o mundo começou quando eles nasceram (…). Em Portugal, tal como nos outros países europeus, a sociedade não é, nem nunca foi, só composta por famílias de mãe, pai e filhos. Pelo contrário. (…) As famílias nucleares, as famílias burguesas, são um fenómeno do século XIX e, sobretudo, do XX que abrange principalmente as suas elites e que se vai impondo como modelo. Um estereótipo vendido como “família tradicional”, que não é tradição de coisa nenhuma, a não ser da mitificação de sociedade vendida em Portugal, durante o fascismo, pela máquina de propaganda ideológica montada por António Ferro.
(…) Por que razão uma mulher não pode ter um filho se não tiver um homem ao seu lado? Então por que não é proibida a adopção por mães solteiras? Por que não proíbem as mães solteiras? Já agora, por que não proíbem o divórcio quando há filhos? Se a presença do pai/homem na educação das crianças é tão imprescindível para a formação da personalidade, então deve haver uma percentagem elevadíssima de portugueses com graves perturbações de personalidade, porque não nasceram em famílias que correspondam àquele estereótipo.»E São José Almeida é incisiva:
«Já agora, por que razão uma lésbica não pode ter um filho por inseminação artificial? Então por que não retiram os filhos às mulheres que já são mães quando estas iniciam uma relação afectiva e sexual com outra mulher?»O combate à desinformação é a luta de São José Almeida. Já noutro artigo relativo ao casamento civil, São José Almeida contrapunha a quem afirma ser “uma instituição milenar” que se trata de um direito que foi instituído em Portugal no século XIX (o primeiro Código Civil foi aprovado em 1867). O combate à ignorância é duro – mas São José Almeida não desiste.
Jornalista do Público, um jornal cujo actual Director tem apoiado publicamente causas homófobas (desde a nomeação de Buttiglione à manutenção da discriminação no acesso ao casamento), São José Almeida é editora da secção Nacional. Foi sob a sua alçada que a luta pela igualdade de direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgénero passou a ser tratada como a questão de política nacional que de facto é (e não confinada à secção de Sociedade). Foi sob a sua alçada que o Público cobriu de forma exaustiva (com a jornalista Sofia Branco a merecer uma menção especial também) o Fórum do Casamento entre Pessoas do Mesmo Sexo, que organizámos em conjunto com o Centro de Estudos de Antropologia Social do ISCTE. Foi sob a sua alçada, e mais uma vez, com a dedicação de Sofia Branco, que o Público cobriu a tentativa de casamento entre Teresa Pires e Helena Paixão. Foi sob a sua alçada que a questão da igualdade no acesso ao casamento civil passou a estar sempre presente, como questão política fundamental, em questionários a responsáveis de partidos políticos e do Estado português. E foi também sob a sua alçada que a Secção Sociedade Civil foi introduzida, valorizando e divulgando o trabalho das associações.
Hoje é a nossa oportunidade de valorizarmos publicamente todo o trabalho de São José Almeida – e o seu sentido de responsabilidade, uma qualidade rara que é absolutamente fundamental em democracia.
Entregamos-lhe por isso este Prémio, juntando-lhe o nosso forte aplauso.O Prémio atribuído a São José Almeida inclui o diploma do Prémio Arco-Íris, bem como os livros “Homofobia” de Daniel Borrillo e “Duas Mães” de Muriel Villanueva Perarnau.
Por sua vez, o DVD atribuído a São José Almeida é o filme “If these walls could talk 2”: um filme composto por três segmentos sobre as vidas de mulheres lésbicas numa mesma casa em três épocas diferentes. O primeiro destes segmentos, passado no início dos anos 60, é particularmente forte e importante para a discussão sobre a igualdade no acesso ao casamento civil; o segundo segmento, passado no início dos anos 70, comenta a dificuldade de integração de mulheres lésbicas no movimento feminista; o terceiro segmento, passado na actualidade, é dedicado à questão da inseminação artificial num casal de lésbicas. Um filme abrangente que mesmo assim não consegue abarcar todas as questões que São José Almeida abordou ao longo do último ano…Luís Grave Rodrigues, Helena Paixão e Teresa Pires pela primeira tentativa de casamento entre pessoas do mesmo sexo em Portugal
Mas o último ano foi, sem dúvida, marcado por um crescendo da reivindicação pública e da discussão mediática da questão da igualdade no acesso ao casamento civil.
Em Novembro de 2005, e também para fomentar o debate que a actual maioria entendia como necessário, a Associação ILGA Portugal, em parceria com o Centro de Estudos de Antropologia Social do ISCTE (cujo contributo foi extremamente importante), promoveu o “Fórum do Casamento entre Pessoas do Mesmo Sexo” para permitir um debate sério sobre esta questão nos planos jurídico, sociológico, antropológico e político – debate do qual infelizmente o Partido Socialista escolheu estar ausente.
Simultaneamente, a Associação ILGA Portugal promovia a Petição pela Igualdade no Acesso ao Casamento Civil, que recolheu 7133 assinaturas (que merecem uma menção especial hoje também, e entre as quais se encontram aliás as assinaturas de muit@s deputad@s socialistas).
Em Dezembro de 2005, a República Sul-Africana (um dos três países do mundo que proíbem na Constituição a discriminação com base na orientação sexual) viu o Tribunal Constitucional ordenar ao Parlamento a concretização da igualdade no acesso ao casamento civil.
Embora o Tribunal Constitucional português possa também ser chamado a pronunciar-se sobre esta matéria, a Associação ILGA Portugal manifestou-se então afirmando esperar que fossem os próprios partidos políticos com representação parlamentar a reconhecer a necessidade urgente da revisão do Código Civil português para que casais de pessoas do mesmo sexo possam ter acesso ao casamento civil e incitando os candidatos presidenciais a pronunciar-se de forma clara em relação a esta questão – porque se trata afinal, como o caso sul-africano evidenciava, de «cumprir e fazer cumprir a Constituição».
Na sequência deste repto, o Expresso publicava na 1ª página um estudo da Eurosondagem que afirmava que “um milhão de portugueses são homossexuais”. Junto a esse título, liam-se as posições dos candidatos presidenciais quanto ao acesso ao casamento civil para casais de pessoas do mesmo sexo: quatro candidatos favoráveis, um com dúvidas.Pouco depois, em Fevereiro de 2006, um casal de mulheres, Teresa Pires e Helena Paixão, viram o conservador da 7.ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa indeferir a sua pretensão de casamento, tendo interposto um recurso da decisão (processo que poderá seguir até ao Tribunal Constitucional) e acendendo uma persistente e mediática discussão nacional sobre este tema.
Foi ainda em Fevereiro que foi entregue ao Presidente da Assembleia da República a Petição pela Igualdade no Acesso ao Casamento Civil, que aguarda ainda o respectivo relatório e discussão em plenário.
A exclusão de casais de pessoas do mesmo sexo no acesso ao casamento civil tornou-se claramente uma reivindicação sonora da sociedade civil e passou a ser reconhecida como uma questão política fundamental – ao ponto de José Manuel Fernandes, Director do Público, ter dado uma entrevista a outro jornal dizendo que todas estas iniciativas eram coordenadas e que se tratava portanto de um complot.
Não o era. O que aconteceu foi, tão simplesmente, que a consciência de que esta é uma discriminação chocante se alargou, gerando iniciativas várias da sociedade civil com o mesmo propósito.Por isso mesmo, prestamos a nossa homenagem a uma destas iniciativas, que teve um impacto fortíssimo na percepção pública da homossexualidade e da homofobia em Portugal – e que foi um contributo fundamental na luta pela igualdade no acesso ao casamento civil.
Luís Grave Rodrigues é advogado – e respeita a lei. Mais: respeita a Constituição. Porque, como nós, pretende que haja respeito pela lei, resolveu lutar para que a lei seja respeitável.
Lançou por isso um desafio, oferecendo os seus serviços a um casal de pessoas do mesmo sexo que quisesse casar-se. Teresa Pires e Helena Paixão leram um artigo no Jornal de Notícias que divulgava este desafio e resolveram aceitá-lo, resolveram dar visibilidade à sua relação e à sua condição de mães, resolveram dar visibilidade à sua reivindicação de cidadania. Teresa Pires e Helena Paixão mostraram que sabem que são pessoas – e foram uma inspiração e um modelo para muitas lésbicas e muitos gays que ainda escondem as suas relações e que ainda aceitam menos do que a cidadania plena.O advogado Luís Grave Rodrigues aliou-se ao casal Helena Paixão e Teresa Pires para concretizarem a primeira tentativa de casamento entre pessoas do mesmo sexo em Portugal. Os três souberam lidar com a voragem mediática com tacto, afirmatividade e a serenidade de quem sabe ter razão. A inconstitucionalidade da actual definição do casamento civil na lei portuguesa passou a ser incontestável – mas sobretudo tornou-se clara a injustiça da lei.
Embora esta tentativa tenha sido inicialmente gorada, a luta continua – e é histórica.De Manuel António Pina no Jornal de Notícias a Joana Amaral Dias no Diário de Notícias (num artigo brilhante chamado “O Carnaval dos homofóbicos”), esta luta recebeu muitos apoios na imprensa. Como dizia Inês Pedrosa num artigo na Única, é a luta contra «a cegueira de quem nunca se aventurou a escutar a voz do Amor. E não há outra». Mas, reforçava Rui Costa Pinto, na Visão: «Este casamento é muito mais do que um acto de amor. A defesa da igualdade de direitos para os casais homossexuais nem é de esquerda nem é de direita: é uma questão de liberdade.». E acrescentou Ana Gomes no blog Causa Nossa: «Na (i)moralidade subjacente ao artigo do Código Civil que exclui o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a sociedade fecha os olhos ao casamento de quem é homossexual, desde que com parceiro de outro sexo, como cobertura para a orientação e práticas homossexuais. É esta hipocrisia que a Lena e a Teresa não aceitam. É essa (i)moralidade que elas desafiam.»
E não podemos deixar de mencionar o admirável texto de Joaquim Manuel Magalhães na revista Actual do Expresso em que, como Teresa Pires e Helena Paixão, fala de si e fala de cidadania:
«Dois homossexuais que tenham vivido, por exemplo, há mais de quarenta anos uma vida em comum (como acontece comigo) que direitos práticos têm hoje neste país? Nenhuns. Dois homossexuais que pretendam defender o seu amor que começa e ir com ele até ao fim das suas vidas que perspectiva têm?».
E conclui: «é de ordem que se trata. E tudo estritamente no plano civil.»A realidade é que este não é um tema “fracturante”, como costuma dizer-se – o que se passa é que a discussão da igualdade perante a lei independentemente da orientação sexual vem apenas revelar uma “fractura” que já existe na sociedade e que é imposta pela homofobia. Eliminar a “fractura” significa lutar activamente contra a homofobia.
Lutar pela igualdade no acesso ao casamento civil é lutar contra a homofobia da forma mais visível e eficaz – que o digam Teresa Pires, Helena Paixão e o próprio Luís Grave Rodrigues, que se viram defrontad@s com manifestações várias de homofobia no seu quotidiano.
Aliás, vale a pena fazer uma menção especial para Leonor Areal que, no seu filme intitulado “Fora da lei”, documenta todo o período que se sucedeu a esta tentativa de casamento, mostrando bem o peso da homofobia na sociedade – que é a mesma homofobia que não deixa que a Teresa e a Lena se casem.Citando mais uma vez Inês Pedrosa, «A Espanha, mesmo aqui ao lado, já percebeu que o que instabiliza perigosamente um país é que os seus cidadãos não tenham direitos iguais – e aprovou, tranquilamente, o casamento civil dos homossexuais. (…) Nenhuma sociedade que se diga democrática pode fazer outra coisa – sob pena de, perpetuando a discriminação, estar a legitimar a violência contra os discriminados.»
Em Portugal, dois partidos com representação parlamentar, o Bloco de Esquerda e o Partido Ecologista «Os Verdes», já apresentaram projectos-lei para acabar com a discriminação no acesso ao casamento; a Juventude Socialista, cuj@s deputad@s integram o grupo parlamentar do Partido Socialista, apresentou um ante-projecto que dará origem a um projecto em 2007, propondo-se convencer o Partido Socialista a aprová-lo.
E no Programa do actual Governo socialista lê-se que «[o] Governo assume integralmente as disposições constitucionais e as orientações da União Europeia em matéria de não discriminação com base na orientação sexual.». Como Luís Grave Rodrigues defendeu inequivocamente e continua a defender nos recursos apresentados, as disposições constitucionais são bem claras – e a Constituição é, como se sabe, é a garantia dos direitos fundamentais de minorias numa democracia.Sendo 2007 o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos, sendo a luta contra a homofobia explicitamente uma das suas vertentes, e assumindo Portugal a Presidência da União Europeia no 2º semestre, o fim da discriminação legal que legitima a homofobia tem que ser uma prioridade do actual Governo. Aliás, uma posição política forte do próprio Governo em prol da igualdade será determinante na própria percepção pública da homossexualidade em Portugal.
A primeira tentativa de casamento entre pessoas do mesmo sexo em Portugal terá um fim feliz, estamos cert@s: é que é simples e urgente construir “uma sociedade decente” que, nas palavras de Zapatero, “é aquela que não humilha os seus membros”.
Permitir o acesso de casais de pessoas do mesmo sexo ao casamento civil não vem afectar outros, alargando apenas o acesso a direitos e deveres – e promovendo em simultâneo a liberdade e a igualdade, valores democráticos por excelência.A lição desta iniciativa de Teresa Pires, Helena Paixão e Luís Grave Rodrigues é a de que não pode haver complacência com a homofobia. Aceitar a homofobia em silêncio é apoiá-la. Pelo contrário, é tempo de acabarmos com o silêncio e de nos tornarmos cidadãs e cidadãos. E é tempo de homenagearmos estas três pessoas por lutarem por si e por tod@s nós.
O Prémio atribuído a Teresa Pires, Helena Paixão e Luís Grave Rodrigues inclui o diploma do Prémio Arco-Íris, bem como os livros “Homofobia” de Daniel Borrillo e “Duas Mães” de Muriel Villanueva Perarnau.
Por sua vez, o DVD atribuído é o filme “Reinas”: um filme espanhol sobre os primeiros casamentos entre pessoas do mesmo sexo em Espanha para homenagear a primeira tentativa de casamento entre pessoas do mesmo sexo em Portugal!‘Aqui não há quem viva’, Teresa Guilherme Produções
E se no cinema português, os filmes de João Pedro Rodrigues começam a ter também repercussão internacional, a televisão portuguesa tem vindo a alargar as representações d@s LGBT. Porque a homofobia se alimenta da invisibilidade, a visibilização d@s LGBT tem sido uma preocupação permanente da Associação ILGA Portugal. E se, por entre armários que subsistem, vai crescendo em Portugal a percepção da realidade LGBT, é fundamental que @s LGBT possam simultaneamente ver-se representad@s na ficção, no seu duplo papel de reflexo e modelo da realidade.
A Dois tem exibido várias séries estado-unidenses, entre as quais se destaca “A Letra L” – e a visibilidade lésbica continua a ser fundamental. Por seu lado, na TVI, Marta Crawford no ab…sexo continuou a ter o cuidado de fazer um discurso abrangente evitando o heterossexismo, para além de dedicar programas à homossexualidade e à transexualidade. Mas depois de “Ninguém como tu” ter sido premiada no ano passado, resolvemos este ano premiar a série “Aqui não há quem viva” da Teresa Guilherme Produções – em exibição na SIC.Trata-se de uma série produzida em Portugal, adaptada do original espanhol, que pela primeira vez incluiu um casal de homens como personagens de relevo.
Fernando e Gustavo partilham um apartamento, partilham a mesma cama, e partilham as suas vidas. Partilharam beijos – fugidios, é certo -, mas sem ceder à pseudo-polémica absurda sobre o eventual choque que esses beijos gerariam. Partilham a impaciência cúmplice e divertida face à ignorância generalizada – e curiosidade galopante – d@s vizinh@s que descobrem que eles são um casal. Partilham o facto de viverem num país em que a homofobia condiciona as suas vidas – e num país em que não podem casar-se, o que chegam a referir. E aprendem em conjunto a partilhar a recusa em ceder à homofobia.
O coming out de Fernando a vizinhos e amig@s leva, após peripécias várias, a que o seu patrão lhe diga que a empresa “prefere pessoas normais”, mas que no caso dele “não se notava” que era gay, pelo que “não havia problema”… Fernando responde recusando o emprego e expulsando-o de casa, dizendo ironicamente que “não estavam habituados a receber pessoas normais”.
No mesmo ano em que pela primeira vez o Jornal de Negócios investigou o problema da discriminação no trabalho em função da orientação sexual, ‘Aqui não há quem viva’ mostrou o significado abrangente dessa discriminação – e mostrou às pessoas LGBT e a todo o país que a dignidade não é negociável.E se estas duas personagens mostram que pode haver representações diversas de homens gays, a série quis também incluir representações diversas de mulheres lésbicas nos episódios mais recentes. Todas estas representações são fundamentais – e deveriam ser uma constante da produção televisiva. É que um milhão de portugueses são homossexuais mas continuamos muito longe de ver lésbicas, gays, bissexuais e transgénero a perfazer 10% das personagens de séries e telenovelas… ‘Aqui não há quem viva’ não deveria ser uma excepção – mas tem o mérito de ser mais um passo importante no caminho para a banalização da homossexualidade, no sentido da nossa luta “pelo direito à indiferença”.
E sobretudo a comédia de ‘Aqui não há quem viva’ não é feita de homofobia – a homofobia é que é objecto de ridículo. É que o humor e a luta contra a homofobia não são incompatíveis – pelo contrário, o humor é uma óptima arma nessa luta.
É essa a lição de ‘Aqui não há quem viva’ e é por isso que celebramos o trabalho conjunto de argumentistas, realizadores e actores/actrizes e entregamos o prémio à produtora da série que se lembrou – e lembra o público televisivo em geral – que afinal ‘aqui há quem viva’.O Prémio atribuído à Teresa Guilherme Produções inclui o diploma do Prémio Arco-Íris, bem como os livros “Homofobia” de Daniel Borrillo e “Duas Mães” de Muriel Villanueva Perarnau.
Por sua vez, o DVD atribuído é o filme “Celluloid closet”, um documentário que mostra a evolução nas representações cinematográficas da homossexualidade – e a forma como a homofobia tem condicionado essas representações ao longo do tempo.(conclusão)
Por tudo isto, @s noss@s premiad@s merecem a nossa sincera homenagem.
Cabe-nos agradecer, reconhecer, aplaudir e incentivar @s noss@s convidad@s através deste Prémio: o Prémio Arco-Íris atribuído pela Associação ILGA Portugal, associação de defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgénero, em reconhecimento dos seus contributos para uma democracia mais aberta, inclusiva e verdadeira, baseada na valorização da diversidade e na igualdade de direitos.
Prémios Arco-Íris 2005
A 3ª cerimónia de entrega de prémios arco-íris realizou-se no dia 12 de novembro de 2005 no Centro Comunitário, no âmbito do seu oitavo aniversário.
Prémios atribuídos a:
- jornalista Fernanda Câncio
- psiquiatra Júlio Machado Vaz
- banda The Gift (Driving You Slow)
- Rui Vilhena (telenovela Ninguém como tu)
- Instituição W/Portugal (campanha Pelo direito à indiferença)
Textos de apresentação dos prémios atribuídos.
-
Enquanto Associação de defesa dos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero (LGBT), a Associação ILGA Portugal tem sempre tido como causa primeira a luta contra a homofobia.
É que a homofobia, enquanto atitude de hostilidade para com @s LGBT, tem consequências que conhecemos bem demais: do trabalho à família, passando ainda pela própria lei, e até por intervenções públicas de algumas pessoas com responsabilidades políticas e científicas, a homofobia vai-se manifestando diariamente, continuando a tentar tornar-nos menos do que somos.
E embora a Associação ILGA Portugal continue a empenhar-se na divulgação de situações de discriminação e no combate ao preconceito homófobo, esta nossa causa não é, nem deve, nem pode ser só nossa.
Tal como outras formas de exclusão, a homofobia contribui para uma sociedade mais fracturada, menos saudável e menos funcional. Porque a homofobia é, afinal, um problema social, teremos tod@s que o resolver em conjunto. E porque a luta contra a homofobia não tem ainda um fim à vista, ela torna-se tanto mais urgente e merecedora do nosso esforço concertado.
Na realidade, a nossa causa é e deve ser uma causa aberta.
Daí que a Associação ILGA Portugal atribua anualmente o seu Prémio Arco-Íris, como forma de reconhecimento e incentivo a personalidades que, com o seu trabalho, se distinguiram na nossa – e vossa – luta contra a homofobia.
E se 2004 foi o ano em que Portugal se tornou o primeiro país da Europa e o terceiro país do mundo a incluir explicitamente na sua Constituição a proibição da discriminação com base na orientação sexual, 2005 foi um ano marcado pela mudança legal em Espanha, com o Governo socialista de Zapatero a consagrar a plena igualdade legal para gays e lésbicas no acesso ao casamento civil e, por inerência, no acesso à adopção. Mas 2005 foi também um ano marcante em Portugal nomeadamente pela crescente visibilidade d@s LGBT, acompanhada por uma crescente visibilidade da homofobia – que obviamente ainda subsiste de forma muito generalizada mas que vai finalmente perdendo a sua impunidade e sendo questionada de forma mais sistemática.
W/Portugal
O início de 2005 foi marcado pela campanha “Pelo direito à indiferença”. Esta ”. Esta primeira campanha multimedia anti-homofobia no nosso país, composta por anúncios de televisão, rádio e imprensa, cartazes de grande formato e banners de internet, foi executada, pro-bono, pela W/Portugal .
As suas imagens de manifestações de afecto entre pessoas do mesmo sexo contribuem para que, no quotidiano, imagens como estas deixem de causar surpresa ou incómodo e deixem de gerar reacções de hostilidade contra @s LGBT. Ao apostar nestas imagens e ao fazer uso do slogan “Pelo direito à indiferença”, a campanha incentiva a visibilidade d@s LGBT e contribui para um sentimento de indiferença geral no que diz respeito à orientação sexual, criando condições para a integração social plena d@s LGBT e para a vivência da sua orientação sexual de forma aberta e saudável.
Mas se esta campanha era também promovida pela Associação ILGA Portugal, a nossa homenagem prende-se exclusivamente com a disponibilidade, o entusiasmo e sobretudo com o brilho do trabalho criativo da W/Portugal.
Por um lado, a W/Portugal veio provar que há empresas que estão dispostas a oferecer o seu trabalho e os seus meios pela causa da igualdade e que têm, portanto, consciência da sua responsabilidade social.
Por outro lado, e sobretudo, pensamos que a W/Portugal conseguiu surpreender-nos a tod@s (até a nós própri@s) ao traduzir o nosso objectivo de igualdade efectiva d@s LGBT na sociedade e na lei cristalizando-o no slogan “Pelo direito à indiferença”.
É que para @s LGBT, a gasta noção de “diferença” serve sobretudo para perpetuar a desigualdade, porque a “diferença” é sistematicamente estabelecida como algo num plano inferior em relação a uma “norma”. Porque a “diferença” perde relevância no momento em que a desigualdade desaparece (ou seja, no momento em que deixa de ter consequências no plano dos direitos), o mote da Associação ILGA Portugal, que a W/Portugal criou, é o nosso objectivo último: a partir da categoria de “diferentes” que nos é imposta, reivindicamos o fim da discriminação legal como passo fundamental para o fim da discriminação a nível social, e para que, no futuro, o fim da desigualdade torne desnecessária a própria utilização da orientação sexual e da identidade de género como factores de diferenciação.
Hoje homenageamos por isso a W/Portugal atribuindo-lhe o Prémio Arco-Íris (Instituição): porque marcou afinal a diferença na nossa luta “pelo direito à indiferença”.
“Ninguém como tu ” — Rui Vilhena
Porque a homofobia se tem vindo a alimentar da invisibilidade da orientação sexual, a visibilização d@s LGBT tem sido uma preocupação permanente da Associação ILGA Portugal. E se, por entre armários que subsistem, vai crescendo em Portugal a percepção da realidade LGBT, é fundamental que @s LGBT possam simultaneamente ver-se representad@s na ficção, no seu duplo papel de reflexo e modelo da realidade. Tradicionalmente silenciada ou cuidadosamente inserida na tragédia (de acordo com o triunvirato pecado-crime-doença que a homofobia soube instituir), é ainda hoje rara a representação realista e não estereotipante ou sensacionalista da homossexualidade. A telenovela “ Ninguém como tu ” é, por isso, histórica.
Em horário nobre, uma grande audiência assiste ao processo de descoberta e revelação da homossexualidade da personagem João (que é aliás apenas uma das personagens homossexuais da novela): assistimos às suas dificuldades e alegrias, bem como às diversas reacções de familiares e amig@s, numa representação que é um exemplo de realismo mas também de sensibilidade e de atenção. O efeito pedagógico de “Ninguém como tu” na luta contra a homofobia é inestimável e o trabalho conjunto de argumentistas, realizadores e actores/actrizes merece o nosso aplauso.
Mas quisemos ainda distinguir Rui Vilhena , argumentista da telenovela, que soube explicar aos media de forma clara e inequívoca os seus objectivos, dizendo que “uma obra urbana e contemporânea sem homossexuais é como um policial sem crime” e que «não seria correcto fazer uma novela, espelho da sociedade, sem introduzir gays ou lésbicas. É, aliás, obrigatório».
Mais: Rui Vilhena esclareceu pretender “que as pessoas percebam que um homossexual é um ser humano como outro qualquer, que tem a sua vida, a sua profissão, os seus problemas, as suas alegrias” e mostrou compreender bem a sua responsabilidade social enquanto autor, afirmando: “Uma novela pode ser altamente didáctica. A revolução das mentalidades faz-se a pouco. Mas acredito que se chegue lá”.
Nós também acreditamos, com base em contributos como este. A telenovela da TVI constitui assim um verdadeiro serviço público que nos informa, que nos educa, que nos toca – e que representa um grande passo no sentido do “direito à indiferença”.
The Gift
E se no dia-a-dia as pessoas T podem ser mais visíveis, as suas representações a nível mediático estão longe de contribuir para a sua integração. Os The Gift conseguiram, com o teledisco da canção “Driving you slow”, contribuir de forma decisiva para contrariar essa tendência.
Com a escolha da Luna para desempenhar o papel da vocalista no respectivo teledisco, a canção “Driving you slow” transforma-se quase num hino de “empowerment”: as frases “I will build my world, I will sing my songs, I will keep my helmet on” aplicam-se particularmente a quem questiona, modifica, adapta e subverte papéis de género, numa sociedade em que o género continua a existir como factor estruturante, mas sobretudo como factor estruturante de desigualdade – e em que, claro, qualquer denúncia desta estrutura é vista como uma ameaça.
Porque a cultura pop é determinante na forma de encarar as questões relativas à orientação sexual e à identidade de género, os The Gift são um exemplo a seguir na música portuguesa. É que os The Gift souberam contribuir para ajudar tod@s as pessoas T a “construirem o seu mundo e a cantar as suas canções” – mas sobretudo ajudaram-nos a tod@s a construir um mundo que é mais inclusivo e mais de tod@s nós.
Júlio Machado Vaz
Mas a educação contra a homofobia e contra a transfobia não passa só pela cultura e pelos media. A ciência também tem um papel fundamental e premiamos também hoje um cientista que se tem precisamente distinguido enquanto Educador.
Júlio Machado Vaz tem toda uma carreira de desmistificação de preconceitos em torno da sexualidade. Os programas televisivos de que é responsável vão serenamente formando e informando, educando para a sexualidade, educando para os afectos e tornando afinal muito menos difíceis todos os nossos amores.
“Estes difíceis amores” é o título do programa televisivo em que, em conjunto com Gabriela Moita (já galardoada ela própria com o Prémio Arco-Íris), Júlio Machado Vaz tem levado a cabo verdadeiros cursos de Educação Anti-Homofobia, problematizando e dissecando a homofobia, analisando de forma rigorosa a homoparentalidade e contestando de forma sistemática o heterossexismo.
Ainda no último ano, o nascimento do seu blog “Murcon” permitiu-lhe uma nova forma interactiva de fazer pedagogia: face a comentários homófobos, ainda frequentes mesmo por parte de quem o admira, Júlio Machado Vaz não deixa nunca de argumentar com inteligência, sensibilidade… e persistência.
Por tudo isto, num país em que a Educação Sexual é inexistente e em que a política que a regula é sempre tímida e inibida (e no momento em que a Educação Sexual nas escolas se arrisca a ficar distante do plano dos direitos e centrada num discurso “sanitário”), Júlio Machado Vaz é um oásis – e o nosso reconhecimento é por isso particularmente justo.
[A entrega do Prémio a Júlio Machado Vaz fica a cargo do Grupo de Reflexão e Intervenção no Porto – GRIP – da Associação ILGA Portugal, que surgiu também este ano.]
Fernanda Câncio
«Os paneleiros hádem morrer todos». A frase é de um dos elementos de uma milícia organizada que em Viseu decidiu perseguir, ameaçar e atacar homens gay – e a frase é também o título da peça com que Fernanda Câncio , Grande Repórter do Diário de Notícias, trouxe a homofobia para as primeiras páginas dos jornais portugueses. Investigar a homofobia, torná-la visível, denunciá-la: eis um trabalho fundamental de jornalismo e de cidadania.
Fernanda Câncio fê-lo em Viseu, ao procurar, descobrir e interrogar os criminosos – pondo também em evidência, afinal, a ineficácia e relutância das autoridades policiais e judiciais. Fê-lo ainda no DN, uma vez mais, a propósito de Viseu e do Dia Mundial de Luta Contra a Homofobia, num caderno abrangente dedicado à homofobia em Portugal – que incluía uma inevitável entrevista a João César das Neves e em que Fernanda Câncio desmonta bem “a discriminação que se traveste de tolerância”.
Porque a homofobia precisa de ignorância e a ignorância também precisa da homofobia, a campanha (não lhe chamemos notícia…) do Expresso contra a Educação (ai) Sexual nas escolas era transparente nos seus objectivos, mas foi Fernanda Câncio quem assumiu a responsabilidade de, com rigor, expor esse logro nas páginas do DN.
Fernanda Câncio é obviamente uma jornalista de referência – e a informação, tal como a educação, é fundamental na luta contra o preconceito homófobo. Mas se o seu trabalho jornalístico mereceria por si só a atribuição do Prémio Arco-Íris, a verdade é que estamos tod@s apaixonad@s pelos seus textos no blog “Glória Fácil”, que Fernanda Câncio assina como “f.”.
É que a jornalista Fernanda Câncio explicou também a declaração de inconstitucionalidade do artigo 175º do Código Penal, que institui uma idade do consentimento para homossexuais diferente da idade do consentimento para heterossexuais. No entanto, salvo algumas excepções notáveis (São José Almeida, José Vítor Malheiros e Daniel Oliveira), esta declaração de inconstitucionalidade veio gerar repetidas confusões nas mentes mais insuspeitas, para além, claro, das suspeitas.
Mas foi a f. que reagiu como nós gostávamos de poder reagir depois de anos de comunicados de imprensa a explicar tudo devagarinho:
não há cu
juro: se volto a ouvir ou a ler a teoria das gravidades relativas das violações “homossexuais” e “heterossexuais” a propósito do artigo 175 e da decisão do tribunal constitucional sobre a sua inconstitucionalidade sou bem capaz de ir por aí fora a desferir golpes de código penal, de preferência bem anotado. a última foi naquele programa da sic notícias que, julgo, dá pelo nome de eixo do mal, onde josé júdice e pedro mexia soltaram, com ar de grande gravidade e reflexão, considerações sobre “ser pior uma violação homossexual que uma violação heterossexual” e ser isso que “está também em causa no artigo 175”. ARRE.
meus caríssimos senhores, que nem tenho por débeis mentais: informem-se antes de serem filmados a opinar sobre tudo e mais alguma coisa. violação, caso não saibam, é um crime que dá precisamente por esse nome. abuso, caso não saibam, também é um crime que dá, imaginem, pelo nome de abuso. e o artigo 175, imaginem, não dá por nenhum desses nomes por uma simples razão: é que não tem nada a ver com violação e com abuso. tem a ver, como aliás o vosso colega de eixo daniel oliveira vos explicou, com a idade do consentimento. e com o facto de o nosso ordenamento jurídico determinar que um/a jovem entre 14 e 16 anos pode ter maturidade para decidir ter uma relação com um adulto doutro sexo, mas não com um adulto do mesmo sexo. ok?
ah, e só mais uma coisa. o josé júdice não sabe como é uma menor pode ser abusada por uma mulher adulta. foi ele que disse.
Nós somos tod@s fãs da f. ProntoS. Ah, e a propósito de Zapatero, a f. disse:
com estas acções e estas palavras, zapatero colocou-se na vanguarda da civilização — como todos os que se opõem a estas acções e palavras, de bin laden a bento xvi, passando por todos grunhos e grunhas do planeta, se remetem à barbárie.
E está dito. Em pleno Fórum do Casamento entre Pessoas de Mesmo Sexo, a caminho da vanguarda, premiamos a Fernanda Câncio… e a f.
A glória não é fácil, mas é merecida.
(conclusão)
Por tudo isto, @s noss@s premiad@s merecem a nossa sincera homenagem.
Cabe-nos agradecer, reconhecer, aplaudir e incentivar @s noss@s convidad@s através deste Prémio: o Prémio Arco-Íris atribuído pela Associação ILGA Portugal, associação de defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgénero, em reconhecimento dos seus contributos para uma democracia mais aberta, inclusiva e verdadeira, baseada na valorização da diversidade e na igualdade de direitos.
Prémios Arco-Íris 2004
A 2ª cerimónia de entrega de prémios arco-íris realizou-se no dia 27 de novembro de 2004 no Centro Comunitário, no âmbito do seu sétimo aniversário.
Prémios atribuídos a:
- jornalista Ana Sá Lopes
- jornalista Augusto M. Seabra
- cronista Eduardo Prado Coelho
- instituição Assembleia da República
Textos de apresentação dos prémios atribuídos.
-
O Prémio Arco-Íris foi atribuído a Ana Sá Lopes, Augusto M. Seabra e Eduardo Prado Coelho, e, pela primeira vez, a uma instituição, a Assembleia da República, em reconhecimento pelo seu contributo para uma democracia mais aberta, inclusiva e verdadeira, baseada na valorização da diversidade e na igualdade de direitos.
Na entrega do Prémio – que se realizou no Sábado 27 de Novembro, no Centro Comunitário Gay e Lésbico de Lisboa – a Associação ILGA Portugal pode contar com as presenças de Ana Sá Lopes, Augusto M. Seabra, Eduardo Prado Coelho e da Dra. Leonor Beleza, Vice-Presidente da Assembleia da República (em representação do Exmo. Sr. Presidente da AR, Dr. Mota Amaral).A Assembleia da República recebeu a obra “Dictionnaire de L’Homophobie” (Presses Universitaires de France), sob a direcção de Louis-Georges Tin e com prefácio de Bertrand Delanoë. Este livro debruça-se, por exemplo, sobre as teorias que servem de fundamento para discursos ou práticas homofóbicas e sobre as instituições que fomentam a crispação homófoba (família, escola, exército, etc.).
Ana Sá Lopes, Augusto M. Seabra e Eduardo Prado Coelho receberam, cada um, três títulos da colecção “Que Sais-Je?” (Presses Universitaires de France) e um DVD. A saber: “L’Homophobie” de Daniel Borrillo que recentra a discussão sobre a homossexualidade, apresentando a homofobia como o tema que justifica uma investigação; “L’Homoparentalité” de Martine Gross, que se debruça sobre um dos temas mais debatidos na nossa sociedade; “Les Droits des Homosexuels” de Caroline Mécary e Géraud De La Pradelle, compilação de textos sobre os quais tod@s nos podemos apoiar para lutarmos contra a discriminação baseada na orientação sexual; e “The Celluloid Closet” realizado por Rob Epstein e Jeffrey Friedman, soberbo documentário sobre o tratamento que Hollywood deu a personagens homossexuais em filmes realizados no século XX.
Texto de apresentação dos prémios
Enquanto Associação de defesa dos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros (LGBT), a Associação ILGA Portugal tem sempre tido como causa primeira a luta contra a homofobia.É que a homofobia, enquanto atitude de hostilidade para com @s LGBT, tem consequências que conhecemos bem demais: do trabalho à família, passando ainda pela própria lei, e até por intervenções públicas de algumas pessoas com responsabilidades políticas e científicas, a homofobia vai-se manifestando diariamente, continuando a tentar tornar-nos menos do que somos.
E embora a Associação ILGA Portugal continue a empenhar-se na divulgação de situações de discriminação e no combate ao preconceito homófobo, esta nossa causa não é, nem deve, nem pode ser só nossa.
Tal como outras formas de exclusão, a homofobia contribui para uma sociedade mais fracturada, menos saudável e menos funcional. Porque a homofobia é, afinal, um problema social, teremos tod@s que o resolver em conjunto. E porque a luta contra a homofobia não tem ainda um fim à vista, ela torna-se tanto mais urgente e merecedora do nosso esforço concertado.
Na realidade, a nossa causa é e deve ser uma causa aberta.
Daí que a Associação ILGA Portugal atribua anualmente o seu Prémio Arco-Íris, como forma de reconhecimento e incentivo a personalidades que, com o seu trabalho, se distinguiram na nossa e vossa luta contra a homofobia.Este ano, optámos porém por introduzir uma novidade, alargando o âmbito deste Prémio. Assim, para além de três personalidades que merecem a nossa homenagem inequívoca, criámos o Prémio Arco-Íris Instituição.
Fizemo-lo porque este último ano foi um ano histórico.
No dia 22 de Abril de 2004, tod@s @s deputad@s da Assembleia da República aprovaram (com apenas três abstenções e um voto contra) a inclusão da Orientação Sexual no artigo 13º (Princípio da Igualdade) da Constituição da República Portuguesa. Este artigo enumera as razões pelas quais “[n]inguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever (…)” e reconhece, finalmente, a necessidade de lutar contra a discriminação baseada na orientação sexual.
A inclusão da Orientação Sexual no artigo 13º da Constituição era a reivindicação política mais antiga do Movimento Lésbico Gay Bissexual Transgénero português, numa iniciativa da Associação ILGA Portugal que remonta ao ano de 1997. Foi sobre esta matéria que nesse ano se centrou a primeira campanha política efectuada pela Associação ILGA Portugal, intitulada “Não façam do 13 um 31”, aquando da antepenúltima revisão da Constituição.
A actual unanimidade nas posições dos diversos partidos com representação parlamentar em torno desta questão mostra que o primeiro passo na luta contra a homofobia e contra a discriminação inerente já foi dado: o reconhecimento alargado do problema que representam para a sociedade.
A proibição explícita da discriminação com base na orientação sexual está agora no texto constitucional português: é um princípio, um projecto, uma prioridade.
É certo que a concretização deste projecto exigirá medidas complementares, desde a eliminação de disposições legais discriminatórias até ao estabelecimento de uma lei que permita combater a homofobia de uma forma eficaz. No entanto, a Assembleia da República já reconheceu o nosso direito fundamental à igualdade e à não-discriminação.
Num país em que a homofobia ainda impera, a Assembleia da República soube assim enviar-nos uma mensagem clara de inclusão, relembrando-nos que somos tod@s cidadãs e cidadãos de pleno direito e tornando a nossa República, nas palavras de Teresa Beleza, «mais democrática, menos exclusiva e por isso mesmo mais genuína. Mais legítima.»
Porque foi a Assembleia que provou que a República é também nossa, o nosso reconhecimento é também legítimo e também genuíno.O ano de 2004 não foi, porém, apenas um ano de progressos em Portugal. Em Fevereiro, Luís Villas-Boas, presidente da Comissão de Acompanhamento da Lei da Adopção, fez declarações ao jornal Público em que tentava justificar a sua oposição à adopção por casais de pessoas do mesmo sexo. Essas declarações, para além de revelarem um vasto desconhecimento da ciência que reclama como sua, foram simplesmente insultuosas: Luís Villas-Boas, para além de defender que o carinho de mães e pais homossexuais era um carinho “falso”, veio ainda dizer que “ser lésbica não é ser mulher na plenitude natural do termo”. Tratando-se de alguém que detém um cargo político (na referida Comissão) e que, consequentemente, tem responsabilidades para com tod@s nós, estas afirmações são absolutamente inadmissíveis.
Um comentário racista não levantaria qualquer dúvida quanto à necessidade de demissão imediata do responsável político que o tivesse proferido. O facto de declarações homófobas não terem tido a mesma consequência é sintomático da desconsideração do poder político face a cidadãs e cidadãos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero).
Foi Ana Sá Lopes, jornalista no Público, que, num artigo de opinião, exigiu afinal o que tod@s deveríamos exigir. O título desse artigo, dirigido a Villas-Boas é, simultaneamente, incisivo e eloquente: “Demita-se”.Ana Sá Lopes veio assim juntar a sua voz – quase solitária – à nossa reivindicação: permitir a impunidade e manter o silêncio face a este tipo de declarações de um responsável político equivale a dar um aval à homofobia.
Na secção “Sobe e desce” do mesmo jornal, Ana Sá Lopes resumia ainda a sua posição que é também a nossa e concluía escrevendo: «Infelizmente, o homem que fala assim tem crianças a cargo, no refúgio Aboim Ascensão, onde lhes deve inculcar os valores de uma doentia homofobia. »
Ana Sá Lopes veio assim acrescentar um elemento ao debate sobre a questão da adopção. Se o verdadeiro problema social é a homofobia e não a homossexualidade, proibir a adopção por casais de pessoas do mesmo sexo parece arbitrário e dificilmente defensável por quem não partilhe as convicções de Luís Villas-Boas.
Se reconhecemos a homofobia como a raiz do problema, parece-nos do mais elementar bom senso questionar a lei portuguesa, que exclui à partida casais de pessoas do mesmo sexo, reproduzindo afinal um preconceito. Mas, para além disso, seria ainda importante valorizar a capacidade de proporcionar uma educação despreconceituosa e não-excludente a crianças que já começaram, afinal, a conhecer a exclusão. É também no superior interesse da criança (que por sinal poderá inclusivamente vir a revelar-se homossexual) que se garanta que ela poderá crescer livre de homofobia.
Ana Sá Lopes demonstrou portanto ter interiorizado a noção de que o único problema digno de análise e de crítica é a homofobia e não qualquer orientação sexual e de que a promoção da homofobia é incompatível com o desempenho de cargos políticos.
Já a nível europeu, essa noção parece estar mais presente. Enquanto Primeiro-Ministro de Portugal, Durão Barroso não chegou a reagir publicamente ao caso Villas-Boas. No entanto, enquanto Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso viu-se obrigado, pelo Parlamento Europeu, a alterar a composição da sua equipa, depois de ter atribuído inicialmente a Rocco Buttiglione o pelouro da Justiça, Liberdade e Segurança assim como uma Vice-Presidência da Comissão.
Tod@s sabemos já que Buttiglione afirmou, em audiência com o Parlamento Europeu, que «a homossexualidade é um pecado» e que o casamento existe “para permitir às mulheres terem filhos e serem protegidas por um homem”. Essas declarações foram apresentadas pela imprensa portuguesa como justificação para a recusa do comissário proposto.
Seguiram-se artigos de opinião, apresentando Buttiglione como vítima de “discriminação anti-católica” e salientando a garantia dada pelo candidato a comissário ao afirmar que, embora dissesse que a «homossexualidade é um pecado», isso não significava que a considerasse «um crime».
Numa resposta a José Manuel Fernandes, director do Público, que tinha acusado as críticas a Buttiglione de provirem dos “Torquemada dos nossos dias”, Augusto M. Seabra veio denunciar o que deveria ser evidente: que, por um lado, a garantia de que gays e lésbicas não serão perseguid@s e pres@s em função da orientação sexual não era, naturalmente, suficiente; e que, por outro lado, uma análise um pouco mais aturada revelaria que Buttiglione viria a tornar-se o único Comissário com poder legislativo na área do combate à discriminação.
É importante salientar que a sua apregoada capacidade de separação entre “moral” e “lei” não chegou afinal para evitar que o próprio Buttigione tivesse proposto, aquando da Convenção para o Futuro da Europa, uma emenda à Carta dos Direitos Fundamentais da UE que retirava a orientação sexual da lista de motivos segundo os quais ninguém pode ser discriminado.
Se Buttiglione confessou não perceber o que significava «ser pró-activo» no combate à discriminação, já tinha demonstrado afinal saber ser pró-activo no sentido contrário.
Augusto M. Seabra aponta, portanto, o verdadeiro problema: a clara inadequação de alguém com as posições de Buttiglione para o desempenho daquele cargo político.
Mas Augusto M. Seabra é também incisivo no título desta sua crónica: «Torquemada, Disse?». É que os “Torquemada do antigamente” matavam homossexuais na fogueira – também em Portugal. E o peso dessa história de perseguições, embora mais diluído, continua a fazer sentir-se hoje, em muitos pontos do país e da própria Europa ao ponto de, na própria lei, não haver direitos iguais para tod@s independentemente da orientação sexual. Também nós poderíamos chamar “Torquemada dos nossos dias” a quem pretende impedir o acesso a essa igualdade de direitos, mas temos noção das proporções: chamamos-lhes apenas “Buttiglione dos nossos dias”.E também no caso Villas-Boas, a voz lúcida e atenta de Augusto M. Seabra se fez ouvir. Na sua crónica “O sexo e a cidade”, resume, de forma acutilante, a questão fulcral comum a ambos os casos: «O que está em discussão não são as íntimas convicções de cada um, nem os modos das sexualidades; é o plano dos direitos (…). E das políticas. E dos deveres das políticas e dos que delas estão investidos.»
Eduardo Prado Coelho abordou também no Público o caso Buttiglione, na sua crónica “Mais Contraditório”. Nela refutou a ideia do “preconceito anti-católico”, frisando que, felizmente, as posições de Buttiglione não são partilhadas por uma percentagem significativa de pessoas católicas.
Aliás, já no final de 2003, Eduardo Prado Coelho tinha levantado uma questão semelhante no Diário de Notícias. Numa correspondência com o Cardeal Patriarca, D. José Policarpo, Eduardo Prado Coelho apontou o divórcio existente entre as posições mais rígidas de responsáveis da Igreja Católica Apostólica Romana e as práticas dos seus fiéis. Uma das causas desse divórcio, que Prado Coelho soube enfatizar, seria precisamente a incapacidade de reconhecimento de famílias compostas por casais de pessoas do mesmo sexo assim como as objecções à adopção de crianças por esses casais.
E Eduardo Prado Coelho, numa crónica no Público intitulada “Ideias (Des)feitas”, vem ainda contrapor a ciência actual a essa resistência quanto à possibilidade de adopção por gays e lésbicas.
É que, por um lado, uma análise das causas da institucionalização de crianças, em conjunto com o número de crianças institucionalizadas, seriam suficientes para condenar a exclusão a priori de qualquer casal de pessoas do mesmo sexo. E, por outro lado, porque somos tod@s livres e iguais perante a lei, não é a atribuição de direitos mas a sua limitação que carece de justificações.
Ora, torna-se particularmente difícil fazê-lo quando, para além de vários profissionais europeus, os orgãos colegiais de Pediatria, Psicologia e Psiquiatria nos Estados Unidos da América, compostos por muitos milhares de profissionais que têm acesso a toda a investigação produzida neste campo e que conseguem averiguar a sua credibilidade, vêm endossar a adopção por casais homossexuais.
Eduardo Prado Coelho cita apenas um desses estudos que conclui, a partir da observação e análise das respectivas crianças, que «as mães lésbicas se mostram particularmente competentes». Como Prado Coelho refere e demonstra, «por vezes é preciso analisar de perto a realidade para ultrapassar determinados preconceitos. Mas vale a pena».
Por tudo isto, @s noss@s premiad@s merecem a nossa sentida homenagem.
Cabe-nos agradecer, reconhecer, aplaudir e incentivar @s noss@s convidad@s através deste Prémio: o Prémio Arco-Íris atribuído pela Associação ILGA Portugal, associação de defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgénero, em reconhecimento dos seus contributos para uma democracia mais aberta, inclusiva e verdadeira, baseada na valorização da diversidade e na igualdade de direitos.
Prémios Arco-Íris 2003
A 1ª cerimónia de entrega de prémios arco-íris realizou-se no dia 21 de novembro de 2003 no Centro Comunitário, no âmbito do seu sexto aniversário.
Prémios atribuídos a:
- apresentadora Ana Marques
- psicóloga Gabriela Moita
Textos de apresentação dos prémios atribuídos.
-
Ana Marques
Ana Marques apresentou no canal SIC Mulher uma edição do programa “Sexto Sentido” dedicada ao tema “homossexualidade no feminino”. Num mundo cujas regras são ainda feitas por homens heterossexuais, a invisibilidade da homossexualidade no feminino não é causada apenas pela homofobia; o sexismo também faz com que, mesmo quando se fala de homossexualidade, se fale mais de homens do que de mulheres. Dar visibilidade a mulheres lésbicas é por isso duplamente importante – mesmo porque elas são duplamente discriminadas… Ana Marques, cuja condução do referido programa foi absolutamente exemplar, demonstrou não só ser sensível a este problema, como demonstrou profissionalismo e segurança na abordagem quer de questões legais quer de questões vivenciais.
Mas Ana Marques dedicou ainda uma edição do programa “Elas em Marte”, também na SIC Mulher, à revelação da homossexualidade perante a família (e nomeadamente perante os pais). Esta questão é absolutamente fundamental: para além de todas as questões de ordem legal ainda por resolver, existem as questões da chamada “vida privada”. E por vezes são essas as questões que geram maior sofrimento – e, infelizmente, os números do suicídio de adolescentes confirmam-no. A preparação e a maturidade que revelou na condução de ambos os programas foram mais do que uma demonstração de profissionalismo: constituíram um verdadeiro serviço público.
Gabriela Moita
Gabriela Moita é co-responsável, com Júlio Machado Vaz, pelo programa “Estes difíceis amores” – programa de debate na NTV e agora na RTP, em que se fala recorrentemente de homossexualidade e de bissexualidade.
Há muitos amores difíceis, no contexto familiar, relacionados com pessoas homossexuais ou bissexuais.
A ideia fundamental que Gabriela Moita compreende, e que transmite de uma forma clara e inequívoca, é a de que o que dificulta esses amores não é a homossexualidade, mas sim a homofobia. Gabriela Moita vem assim recentrar a discussão sobre a homossexualidade, apresentando a homofobia como o tema que justifica uma investigação – quer sobre a sua origem, quer sobre a necessidade que muitas pessoas sentem em reproduzi-la.
E Gabriela Moita fá-lo na qualidade de psicóloga informada e lúcida, mesmo porque a evolução da ciência tem demonstrado bem o absurdo de qualquer preconceito e de qualquer discriminação em função da orientação sexual.
Gabriela Moita denuncia a hipocrisia e a homofobia generalizadas e contribui com inteligência, ciência, profundidade e sensibilidade para um país e para um mundo melhores.
Consulta ainda